ANDES analisa da portaria do MEC sobre CAs

Confira abaixo  a Análise Preliminar elaborada pela Assessoria Jurídica do ANDES-SN, sobre a Portaria do Ministro da Educação, que estabelece diretrizes e normas gerais de funcionamento, acesso, avaliação e financiamento dos Colégios de Aplicação (CAPs) vinculados às Universidades Federais Brasileiras

Ilustríssima Professora MARINA BARBOSA PINTO,

Digníssima Presidente do SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR – ANDES – SINDICATO NACIONAL

Ref.: Portaria do Ministro da Educação – Versão Preliminar – Colégios de Aplicação vinculados às Universidades Federais – Esclarecimentos Jurídicos.

_______________________________________

Prezada Professora Marina,

Vimos, por intermédio da presente Nota Técnica, apresentar esclarecimentos jurídicos iniciais acerca de uma versão preliminar de portaria do Ministro da Educação, que estabelece diretrizes e normas gerais de funcionamento, acesso, avaliação e financiamento dos Colégios de Aplicação (CAPs) vinculados as Universidades Federais Brasileiras.

Preliminarmente, cumpre fazer breves considerações sobre os CAPs.

Os CAPs foram idealizados em 1946, com a denominação de “Ginásios de Aplicação”, como um ambiente propício para a prática docente dos alunos matriculados nos cursos de licenciatura (à época denominados cursos de Didática), vinculados às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), à época denominadas faculdades federais.

Regulamentados por intermédio do Decreto-Lei nº 9.053, de 12.3.46, os CAPs integram a estrutura das IFES, sendo por elas mantidos e administrados. Nesse sentido são os arts. 1º, 4º e 8º, do Decreto Lei nº 9.053/46:

“Art. 1º – As Faculdades de Filosofia federais, reconhecidas ou autorizadas a funcionar no território nacional, ficam obrigadas a manter um ginásio de aplicação destinado à prática docente dos alunos matriculados no cursos de Didática.

(…)

Art. 4º – Nas Faculdades federais o cumprimento destes dispositivos ficará sob a responsabilidade do Diretor da Faculdade; nas Faculdades reconhecidas, sob a responsabilidade do Diretor e do Inspetor Federal junto à Faculdade.

(…)

Art. 8º – A fiscalização do Ginásio de Aplicação caberá ao Diretor da Faculdade, quando se tratar de estabelecimento federal, e ao respectivo fiscal da mesma Faculdade, quando se tratar de estabelecimento reconhecido ou autorizado a funcionar.”

Observa-se, portanto, a partir dos dispositivos acima transcritos, que os CAPs estão vinculados a uma IFES, que é responsável pela sua organização e funcionamento.

Deveras, os CAPs não foram concebidos como unidades de ensino integrante da educação básica, mas sim com o objetivo de constituir um campo de estágio obrigatório para os licenciandos e de oportunizar a experimentação de novas práticas pedagógicas idealizadas pelas IFES. Foram criados como sua parte integrante e assim permanecem até hoje.

Nesse sentido, a Lei nº 9.394, de 20.12.96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispôs sobre os sistemas de ensino, diferenciando-os de acordo com a base de atuação: federal, estadual, distrital e municipal. Com relação ao sistema federal, o artigo 16, da referida norma, assim prescreve:

“Art. 16. O sistema federal de ensino compreende:

I – as instituições de ensino mantidas pela União;

II – as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada;

III – os órgãos federais de educação.”

No que tange ao sistema dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os artigos 17 e 18, da LDB, assim dispõem:

“Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem:

I – as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal;

II – as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal;

III – as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada;

IV – os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente.

Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino.

Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreendem:

I – as instituições do ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal;

II – as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada;

III – os órgãos municipais de educação.”

Dessa forma, podemos concluir que os CAPs, por integrarem e serem mantidos pelas IFES, são parte do sistema de ensino federal, conforme a dicção do art. 16, I, da LDB. Nesse mesmo sentido, o Ministério da Educação, em consultas relativas ao assunto, já se manifestou  por intermédio do Conselho Nacional de Educação (CNE):

“Por outro lado, a consulta é oriunda de um Colégio de Aplicação que, dada a sua natureza, está incluído no sistema federal de ensino. É claro que as Universidades Federais, muito justamente, gozam do estatuto da autonomia, podendo solucionar assuntos relativos à sua organização e funcionamento internamente.” (Parecer CNE/CEB nº 15/2007)

“Por sua natureza e origem, os Colégios de Aplicação das Universidades Federais têm sua dependência no âmbito federal. Portanto, integram o sistema federal de ensino. O artigo 16 da Lei 9.394/96, é meridianamente claro

(…)

Neste quadro e como orientação final, importa referir que a condição de autonomia universitária garantida constitucional e legalmente se aplica ao desenvolvimento das atividades dos Colégios de Aplicação que, embora sua ação seja diretamente voltada para a Educação Básica, tem como objetivo fundamental a formação dos professores em capacitação dos cursos próprios para a sua formação voltada para o Magistério e demais ações, específicas da educação. É na verdade, o capo experimental e de formação na prática do ensino e da educação.

(…)

Em face do exposto neste parecer, responda-se à direção do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que:

a) a organização interna do Colégio de Aplicação é de sua competência, no que tange à organização, reordenamento e ajustamentos necessários ao seu desenvolvimento escolar, através de sua proposta pedagógica (cf. Inciso I, do art. 12, Lei 9.394/96);

b) o seu relacionamento e dependência é com a própria Universidade Federal do Rio Grande do Sul que goza de autonomia, constitucional e legalmente garantida (cf. Constituição Federal, Art. 207; Lei 9.94/96, artigos 53 e 54, e todas as suas normatizações).” (Parecer CEN/CEB nº 26/2002, publicado no DOU de 13/9/2002)

Nesse diapasão, e na esteira do que foi exposto até o momento, a regulamentação dos CAPs (especialmente o Decreto-Lei nº  9.053/1946 e a LDB) os insere no sistema federal de ensino, estando submetidos à competência das IFES e sujeitos as suas determinações e protegidos pela garantia constitucional da autonomia universitária.

A partir dessas explanações, passa-se à análise da versão preliminar de portaria do Ministro da Educação sobre os CAPs vinculados as IFES.

O artigo 2º, da referida portaria, conceitua os Colégios de Aplicação da seguinte forma:

“Art. 2º Para efeito desta portaria consideram-se Colégios de Aplicação as Unidades Educacionais vinculadas às unidades acadêmicas das Universidades Federais responsáveis por cursos de licenciatura, que ofertam essencialmente a Educação Básica, podendo incluir: Educação Infantil e Educação de Jovens e Adultos Presencial.

Parágrafo único. Os Colégios de Aplicação deverão ser unidades de referência para o desenvolvimento de atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão, com foco nas inovações pedagógicas.”

A partir desse conceito, observa-se que aparentemente foi mantido o vínculo entre os CAPs e as IFES, em respeito ao Decreto-Lei nº 9.053/46 e a LDB, além de preservar a exigência da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão prevista no artigo 207, da Constituição.

No que se refere às suas funções, o artigo 3º, da referida portaria, vincula várias competências dos CAPs as atividades letivas das IFES, demonstrando, assim, a relação indissociável entre eles. A norma assim prevê:

“Art. 3º Compete aos Colégios de Aplicação:

(…)

III – integrar todas as suas atividades letivas como espaços de prática de docência e estágio curricular dos cursos de licenciatura da Universidade;

IV – ser o espaço preferencial para a prática da formação para a docência realizada pela Universidade, articuladas com a participação institucional no Programa de Incentivo à Docência (PIBID) e outros programas de apoio à formação dos docentes do MEC.”

Porém, o artigo 4º, da portaria, estabelece que os CAPs “em funcionamento no espaço físico das Universidades Federais, mantidos e/ou administrados, mesmo que mediante convênio, integram o respectivo Sistema de Ensino Municipal, Estadual e/ou do Distrito Federal, devendo seu funcionamento ser orientado e autorizado pelo Conselho de Educação do respectivo sistema”.

Assim, apesar de manter, aparentemente, a mesma relação entre IFES e CAPs, a portaria condiciona o funcionamento desses a autorizações do Conselho de Educação dos sistemas estaduais, municipais e/ou distritais, o que não se coaduna com a legislação que regulamenta a questão e, muito menos, com a autonomia universitária constitucionalmente garantida ao ensino superior.

Porém não é só, pois o parágrafo único do artigo 9º da portaria restringe ainda mais a atuação das IFES na administração dos CAPs. Segue esse dispositivo:

“Art. 9º (…)

“Parágrafo único. A criação de novos Colégios de Aplicação e/ou a ampliação de novas modalidades de ensino, já em funcionamento, está condicionada a:

I – aprovação no Conselho Superior da Universidade;

II – autorização do Conselho de Educação do respectivo sistema;

III – aprovação pelo Ministério da Educação”

Tal norma, ao condicionar a criação de novos CAPs ou a ampliação dos que já existem à autorização do Conselho de Educação dos sistemas estaduais, distritais e/ou municipais acaba por restringir a autonomia universitária ao imiscuir-se nas decisões administrativas a respeito de unidades que as integram, o que viola a garantia prevista no artigo 207, da Constituição.

Por outro lado, cumpre registrar a existência da Resolução nº 1, de 10.3.11, da Câmara de Educação Básica do CNE, que regulamenta o funcionamento das unidades de educação infantil vinculadas as IFES, e cujo artigo 1º assim dispôs:

“Art. 1º As unidade de Educação Infantil mantidas e administradas por universidades federais, ministérios, autarquias federais e fundações mantidas pela União caracterizam-se, de acordo com o art. 16, inciso I, da Lei nº 9.394/96, como instituições públicas de ensino mantidas pela União, integram o sistema federal de ensino (…)”

Tal Resolução ainda dispôs em seu artigo 8º sobre a vinculação das unidades de educação infantil com as IFES:

“Art. 8º No exercício de sua autonomia, atendidas as exigências desta Resolução, as universidades devem definir a vinculação das unidades de Educação Infantil na sua estrutura administrativa e organizacional e assegurar os recursos financeiros e humanos para o seu pleno funcionamento.”

Observa-se, assim, que a regulamentação sobre as unidades de educação infantil (Resolução CNE/CEB 1/2011) mantém a vinculação dessas com as IFES e a integração ao sistema federal de ensino, de forma a garantir a autonomia universitária e a obediência à regulamentação da LDB, corroborando o entendimento ora exposto.

Assim, a partir da exegese dos comandos normativos, conclui-se que a redação da portaria apresentada deve se adequar às regulamentações legais e constitucionais. Na forma em que foram redigidas, suas disposições contrariam a normas da LDB e do Decreto-Lei nº 9.053/1946, que instituiu os Colégios de Aplicação, além de violar a garantia constitucional da autonomia universitária.

Sendo o que tínhamos para o momento e colocando-nos, desde já, ao seu inteiro dispor para eventuais esclarecimentos que se façam necessários, subscrevemos,

Rodrigo Peres Torelly

OAB/DF 12.557

Assessoria Jurídica Nacional