ANDES divulga análise de proposta governamental

Avaliação preliminar do PL da Carreira

INTRODUÇÃO
Ao final da reunião na SRH/MPOG, ocorrida dia 21 de julho, foi entregue pelo secretário Duvanier cópia impressa da proposta de um Projeto de Lei sobre carreira docente do nível superior das Instituições Federais de Ensino Superior.

A Carreira é estratégica para a existência da universidade pública de qualidade e para garantia de direitos dos docentes. Por isso, na história do ANDES-SN, a carreira foi sempre um tema central, em torno do qual foram obtidas importantes conquistas. De igual importância tem sido a luta pela implantação de uma política salarial que atenda as demandas da categoria docente.

É evidente que a carreira em vigência não atende mais às exigências atuais da universidade, que cresceu e ampliou a pós-graduação, e que tem seu corpo docente constituído por um grande número de pós graduados. Ela possui lacunas que, somadas a uma série de deturpações que lhe foram sendo impingidas nas duas últimas décadas, enfraquecem o potencial desejado de valorizar o trabalho docente.

A Reforma neoliberal do Estado, cujo emblema foi o “Plano Diretor da Reforma do Estado”, apresentado por Bresser Pereira, continua a ser implementada e promove a reestruturação das carreiras do serviço público, com a sistemática retirada de direitos.

É neste contexto que o atual governo anuncia sua intenção de acelerar a reestruturação da carreira docente, apresentando uma proposta que vai na contramão da consolidação de uma universidade de qualidade, dinâmica e que atenda às necessidades de crescimento do país.

A proposta apresentada está eivada de incongruências e de distorções, desconsidera o histórico dos professores que colaboraram decisivamente para a construção da universidade pública e não traz, absolutamente, nada que atraia novos professores.

CONTEXTUALIZANDO
A carreira docente do nível superior das IFES é a última entre as demais carreiras do serviço público federal que ainda permanece no paradigma anterior ao movimento da reforma do Estado iniciado por Bresser Pereira, no primeiro mandado de Fernando Henrique Cardoso.

Agora, a proposta de PL é apresentada no final de mandato de governo, momento no qual o mesmo grupo político investe pesadamente para continuar do poder. Ele parece surgir como um desejo de limpar a área, já que a burocracia estatal tem sinalizado considerar os elementos mais valorosos da atual carreira como entulhos que precisam ser removidos, antecipando-se para evitar desgaste e poupar o próximo governo. Desta forma, o PL aponta para submeter a carreira docente à regência do paradigma gerencial produtivista, que no caso das universidades induz a superficialização instrumental do conteúdo do conhecimento e a valorização do segredo no lugar do saber.

NOVA CARREIRA
O PL não se apresenta como reestruturação da carreira nem explicita que é uma nova carreira. Ao dizer que dispõe sobre a ESTRUTURAÇÃO, efetivamente funcionará como uma nova carreira, o que significa perda dos direitos previstos na norma anterior (como se não existissem), exigindo regras para transposição de ativos e aposentados, além de termo de NÃO opção individual, o que corresponde a dizer que inércia levará a transposição automática. Localiza em um único elemento (avaliação de desempenho) a possibilidade de evolução na carreira. A redução para 18 meses de interstício em cada nível, não é uma vantagem em si, mas é apenas a constância com que o docente vai ter que demonstrar o cumprimento de metas.

O PL induz a abertura de um abismo entre as atividades acadêmicas ao acenar com um chamariz para que alguns docentes se tornem “aulistas”, assumindo carga didática acima do que comporta a educação de qualidade, em busca de acelerar a progressão entre níveis, enquanto a outros, tenta atrair com a possibilidade de complementação remuneratória imediata através da “venda de serviços” a título de pesquisa ou extensão, sem que tais complementações se incorporem ao seu patrimônio futuro.

ESTRUTURA E NOVAS GRATIFICAÇÕES
As classes de auxiliar, assistente e adjunto da atual carreira teriam a nomenclatura homogeneizada em letras e números, conforme a proposta do governo. Além disso, seria novamente criada uma “classe em cima” sem possibilidade de acesso a curto prazo, esta denominada de professor sênior.

A novidade é que o ingresso na carreira só poderia ocorrer no nível inicial, independentemente da titulação, e a composição salarial reduz ainda mais a proporção do vencimento básico em relação às gratificações. Dependendo da classe e do nível, o vencimento básico se aproxima de apenas 25% do salário, já que a remuneração por titulação fica externa a estrutura remuneratória básica da carreira.

Além disso, são criadas duas novas gratificações condicionadas ao período de exercício de atividades denominadas de Preceptoria, na área de saúde, e de Coordenação de Cursos. É no mínimo estranho que o texto da Lei determine valores absolutos, em reais, para estas gratificações, pois nestes termos será preciso nova lei para corrigir, por exemplo, oscilações inflacionárias.

A combinação deste conjunto de elementos denota evidente intencionalidade de achatamento da carreira real. No curto prazo para todos e em definitivo para os aposentados e demais docentes em atividade que, por várias razões, muitas delas com fundamento na peculiaridade das áreas do conhecimento em que atuam, não terão como participar da estreita raia imposta para progressão.

A carreira será composta por dois cargos. O de professor do Magistério Superior Federal, e o cargo isolado e professor titular, para os quais serão transpostos os cargos atualmente existentes nas IFES. A transposição dos titulares dos cargos atuais será automática salvo opção individual irretratável de NÃO transposição em prazo de 120 dias.

A única segurança claramente posta no PL quanto à transposição é, no seu artigo 6º, que não representará aos titulares dos cargos a descontinuidade em relação à carreira, ao cargo e as atribuições.

Por outro lado, ao sumarizar nova estrutura remuneratória no artigo 19, o faz de maneira a tentar apagar qualquer direito, ganho ou vantagem, conquistada ou invocada em razão da condição ou prejuízos anteriores vivenciadas pelos docentes.

Ao acenar, no artigo 45 das disposições transitórias, para a correção de evidentes injustiças praticadas contra os professores que ficaram represados durante muitos anos na classe de adjunto, o faz de maneira que significará reduzida repercussão prática, já que seria aplicada unicamente aos professores associados em atividade que já estão se aproximando do nível final desta classe.

QUEBRA DA AUTONOMIA CONSTITUCIONAL
Ao condicionar e impor carga horária didática aos docentes, de forma totalmente alheia às condições e peculiaridades concretas da vida acadêmica e da qualidade do ensino universitário, o PL investe contra a autonomia universitária. É importante lembrar que o PUCRCE, no seu artigo primeiro, determina que cabe a cada IFE implantar e administrar a carreira, limitando a atuação do governo apenas à realização de estudos, coordenação, supervisão e controle, por meio do MEC, respeitada a autonomia universitária.

As bases sobre as quais se assenta a carreira docente expressas no PUCRCE devem ser aperfeiçoadas e não sumariamente eliminadas como imporia o PL , entre as quais:

– autonomia para administração da carreira;

– isonomia salarial conforme firmada no artigo segundo do PUCRCE: “será assegurada remuneração uniforme do trabalho prestado por servidor da mesma classe e da mesma titulação”;

– compromisso com a valorização da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como atividade acadêmica própria do pessoal docente, prevista no artigo terceiro do PUCRCE.

A proposta, de fato, é a consumação de um processo que quebra a autonomia e segmenta as atribuições e a correspondente remuneração. Ela também agride o princípio constitucional da gratuidade do ensino nos estabelecimentos oficiais ao estabelecer viés de burla nos parágrafos 2º e 7º do artigo 22 que apontam para a cobrança do ensino a nível de Especialização.

O PL invade também a autonomia universitária ao tentar avançar em regramentos e pontuações de avaliação, inclusive do estágio probatório dos docentes.

PÚBLICO X PRIVADO
O PL, no seu parágrafo segundo do artigo 23, prevê facilidades aos projetos desenvolvidos em “consórcio entre instituições” sem especificar que devem se restringir a instituições públicas, abrindo um canal de transferência disfarçada de recursos públicos para instituições privadas.

Também, no seu inciso IV do artigo 23, ele autodenúncia a intenção de facilitar as transações de projetos das universidades federais através de organismos privados, ditos de apoio, ao mencionar a exigência de proporção mínima de pessoal vinculado “à instituição apoiada”.

Aponta ainda para a ruptura da isonomia e da Dedicação Exclusiva como autêntico regime de dedicação integral à Universidade Pública em decorrência da forma geneneralizada com que prevê a remuneração por projetos.

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
O capítulo VIII do PL, que trata da Avaliação de Desempenho, é um capítulo de artigo único, mas contém o fundamento mais grave da proposta: define que os titulares de cargos da Carreira serão submetidos periodicamente a avaliação de desempenho, conforme disposto na legislação em vigor aplicável aos servidores públicos federais (e delega as normas especificas aos Ministros). A legislação em vigor à qual remete é a Lei Nº 11.784, de  22 de setembro de 2008, originada da conversão da MP 431. Ela resume a avaliação pela demonstração sistemática do atendimento pelo servidor, pela unidade e pelo órgão ao qual está vinculado, à metas quantitativas fixadas de fora para dentro, e a isso vinculada parcela importante da remuneração.

Além da concepção produtivista, tenta retirar das universidades públicas a sua condição de instituição de Estado, reduzindo-a aos condicionantes das políticas momentâneas dos governos.

CARREIRA DESMOTIVADORA
O salário será rebaixado para posicionamento idêntico comparando com a situação atual. Ex.: um professor, com doutorado, que esteja sendo contratado hoje em regime de DE, estará percebendo 2.318,71 (VB) + 3.916,88 (RT) + 1.098,08 (GEMAS) = R$ 7.333,67, que é a remuneração de Adjunto, nível 1. Suponhamos que a proposta do governo venha a ser implantada em 2011, o professor, também com doutorado, que vier a ser contratado, o será como D1, nível 1 e perceberá 1.728,28 (VB) + 3.343,02 (RT) + 1.034,08 (GMS – a nova gratificação) = R$ 6.105,38, isto é, R$ 1.228,29 a menos que o contratado pela carreira atual. Este mesmo professor somente poderá alcançar o salário de R$ 7.333,67 quando chegar a DIII1, 8 anos na progressão acelerada (mínimo de 4 disciplina de graduação).

Outro exemplo, estarrecedor se comparado com os salários de outras categorias de servidor público com igual nível de formação, é que pela proposta do governo um professor doutor em regime de DE somente após 12 (doze) anos de trabalho, na perspectiva mais otimista da progressão acelerada, perceberá R$ 7.913,30 (sete mil novecentos e treze reais e trinta centavos), que é o salário do DIII-4.
A partir da promulgação do PL a carreira ficará mais longa. Um professor recém-contratado, com título de doutor, levará 28 anos e seis meses para atingir o topo da carreira.

O aumento salarial previsto na proposta para mudança de nível é totalmente desconexo. Como exemplo, para o professor doutor em regime de DE os valores são: de DI para DII, R$ 194,19 (diferença entre o DI4 e o DII1); de DII para DIII, é de R$ 219,77; de DIII4 para Associado I é de R$ 2790,35 e de Associado 4 para Sênior I é de R$ 1033,22.

Além do mais, passaria a estar estabelecida odiosa discriminação entre docentes enquadrados nas inominadas Classes iniciais, que na verdade não funcionam como classes mais como simples seqüência de níveis, e docentes enquadrados em classes nominadas, embora não se distingam atribuições entre elas.

CONCLUSÃO
Por todos os motivos acima referidos, aponta-se a rejeição da minuta de PL apresentado pela SRH/MPOG, bem como dos fundamentos de carreira nele contidos, desencadeando uma campanha nacional de esclarecimento e mobilização, contrapondo com os seguintes elementos que deverão estruturar a carreira docente das IFES:

– Carreira única para todos os docentes das IFES;

– Estabilidade nas regras da carreira para toda a vida profissional;

– Perspectiva de desenvolvimento na carreira que valorize o tempo de serviço, a formação continuada e a Dedicação Exclusiva entendida como regime preferencial para o trabalho docente. O desenvolvimento na carreira não deve ser condicionado a qualquer tipo de avaliação produtivista;

– A valorização do trabalho docente e suas atividades próprias, que devem ser estruturadas a partir da indissociabilidade ente ensino, pesquisa e extensão, entendida a educação como processo de construção social e histórica do conhecimento;

– Recuperação de condições de trabalho adequadas para exercício pleno e indissociável do ensino, da pesquisa e da extensão;

– Reconstrução do espaço público e do trabalho coletivo para a produção acadêmica nas IFES;

– Respeito ao princípio constitucional da autonomia universitária, do exercício da docência e da gestão da carreira;

– Avaliação dos planos de trabalho em instâncias colegiadas, no âmbito da avaliação institucional e da autonomia universitária;

– Aposentadoria digna com integralidade e paridade, incorporando todos os benefícios concedidos aos docentes em atividade;

– A garantia de transposição dos docentes aposentados, com enquadramento na “nova carreira” que corresponda à posição relativa ao topo da carreira no momento em que se deu a aposentadoria. Da mesma forma, a transposição dos docentes ativos também deve preservar todos os direitos e o posicionamento na carreira;

– A Isonomia Salarial, em valor integral correspondente a cada posição na carreira, o que implica na incorporação das gratificações – uma linha só no contracheque – com direito permanente a remuneração global, fixada progressivamente conforme a evolução na carreira, dentro de amplitude justa entre o piso e o teto.

Brasília

Andes em reunião na SRH/MPOG - 21/07

, 19 de agosto de 2010