Atuação e dados do Grupo de Modelagem Epidemiológica da Covid 19 da UFJF no combate à crise em Juiz de Fora e região

Dando continuidade à série de entrevistas Pandemia e Política, conversamos hoje com Com Fernando Antonio Basile Colugnati, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, coordenador do programa de Pós Graduação em Saúde, coordenador do Grupo de Modelagem Epidemiológica da Covid 19 da UFJF. O grupo tem dado suporte a prefeitura de Juiz de Fora e Região, no combate à crise do Coronavírus

Os números são fator decisivo para atuar sobre a pandemia e têm sido ponto de polêmica por parte dos poderes instituídos e pesquisadores. Os estudos deste grupo seguem qual parâmetro metodológico a fim de ter maior proximidade com a realidade?

Em primeiro lugar, metodologia nenhuma reflete completamente a realidade. São todos modelos que se baseiam, ou somente nos dados, ou somente na teoria de epidemias e doenças infecciosas e alguns modelos que misturam as duas coisas. Nós não adotamos uma modelagem única e nenhum grupo tem feito isso. O que nós fazemos é alterar a metodologia de acordo com a evolução da epidemia na cidade. Nós começamos utilizando um modelo SEIR (Suscetível, Exposto, Infectado, Recuperado), que são modelos tradicionais da epidemiologia de doenças infecciosas. Utilizamos essa metodologia na primeira nota técnica, quando não tínhamos muitos dados e nos baseamos só na curva de crescimento de casos suspeitos e não na de confirmados, pois não havia muita testagem. Depois nós mudamos para um tipo de modelagem desenvolvida pelo pessoal da PUC-RJ, que, na verdade, é datadriving, baseado nos dados, mas também busca curvas semelhantes de outros países para poder fazer as estimativas para Juiz de Fora. Esses modelos nós viemos empregando em todas as notas técnicas para os casos confirmados e nos boletins que nós lançamos também. É sempre um modelo que se baseia, tanto na história de nossos dados, quanto na história de países que estavam a nossa frente na evolução da pandemia, o que está começando a ficar complicado, pois a nossa pandemia já está se estendendo a muito tempo e nós não temos mais países que chegaram nesse ponto em que o Brasil e nem Juiz de Fora chegaram. Então provavelmente iremos partir para modelos de série temporal totalmente datadriving. Estamos trabalhando com basicamente 4 indicadores. Um indicador são os casos confirmados, (nós paramos de avaliar os casos suspeitos), outro indicador é a ocupação dos leitos de enfermagem e dos leitos de UTI, que nós estamos fazendo previsões a partir de modelos de séries temporais, modelos estatísticos. Acompanhamos também o indicador de isolamento social, que é baseado no uso de celulares das pessoas, mas não fazemos nenhuma modelagem com isso, nem conseguimos estabelecer relação de causalidade desse índice de isolamento com a pandemia, pois ele se mantém razoavelmente constante e não dá para atribuir diretamente a um aumento.

Qual é o quadro da evolução da pandemia na cidade e região, considerando as medidas de relaxamento de isolamento social. Ou seja,  como se alterou o primeiro cenário previsto, a partir das mudanças nos decretos municipais e a adesão ao Minas Consciente?

Em primeiro lugar é muito difícil fazer alguma inferência causal em qualquer uma dessas situações. Independente do Minas Consciente, a população por si só já começou a relaxar o isolamento social, passou a ir mais para as ruas. Em Juiz de Fora, foram as duas primeiras semanas só depois do decreto que funcionaram e, depois disso, talvez pela bateção de cabeça dos diferentes governos (federal, estadual e municipal), a população resolveu tomar decisões por conta própria e quebrar esse isolamento. Então, a partir disso, nós já começamos a observar mudanças na curva que havia dado uma estabilizada. Tudo isso são as nossas notas técnicas publicadas com datas certinhas, com todo o acompanhamento que nós fizemos, e o que se observou é que na verdade, após a adesão no Minas Consciente, que trouxe a abertura, por exemplo de bares, nós observamos realmente um aumento na tendência. Mas aí não podemos atribuir isso especificamente ao programa. Na verdade, quando há uma flexibilização, o entendimento da população por si só muda, a sensação de segurança é maior, as pessoas se expõem mais e a gente está vendo consequência disso agora, com aumento grande de casos confirmados e com aumento na taxa de ocupação dos nossos leitos aqui em Juiz de Fora. É difícil fazer essa atribuição só ao Minas Consciente. A gente acha que, na verdade, existem outros fatores, como o próprio stress. Já estamos há mais de 3 meses em isolamento, as pessoas começam a querer sair de casa e é basicamente isso que tem acontecido. Algumas regiões de Minas Gerais que estão em amplo crescimento, não adotaram o Minas Consciente e estão tendo uma taxa de crescimento muito maior que a nossa macro região aqui de Juiz de Fora. Então isso se deve realmente a um comportamento da população, que está há muito tempo nesse isolamento mal feito, sempre fizemos isolamentos mal feitos no Brasil. Então estamos em um stress que as pessoas não aguentam mais ficar em casa e estão se expondo mais, e isso independe de classe social. Nós temos vários colegas docentes, professores, pesquisadores, que já estão se expondo mais a riscos etc. Enfim, é difícil estabelecer uma relação causal ao programa especificamente.

É possível apresentar dados comparativos em diferentes regiões do Brasil e até mesmo do Brasil com outros países, considerando a relação: relaxamento social x controle da pandemia?

É possível sim. Nós temos a plataforma JF salvando todos, que aponta dados do estado de Minas Gerais inteiro, da Região Sudeste e do Brasil. Então essas comparações são muito fáceis e evidentes: todo lugar que relaxou, aumentaram-se os números de casos, os números de óbitos, a ocupação de leitos, isso está muito consolidado. A flexibilização é um fator para um aumento da epidemia. A flexibilização entende-se como qualquer forma de quebra do isolamento. Essa flexibilização pode vir por meio de um programa ou pode vir por meio da população passar a se expor mais então quando um programa como o Minas Consciente flexibiliza, abre alguns serviços, isso não é um chamamento para a rua, mas as pessoas acabam indo e, como eu falei, mesmo lugares que tem programas muito diferentes do Minas Consciente ou nem aderiram o Minas Consciente no Estado, após um relaxamento tiveram os mesmos problemas. E no resto do mundo vemos a mesma coisa. A própria Alemanha, que está fazendo agora um esquema de restringir um pouco mais depois que começou a abrir. Mas em situações muito mais confortáveis, e mesmo quando se observa alguma piora no quadro, eles fazem uma nova restrição em termos de serviços etc. Eu convido vocês e a comunidade em geral a visitar a plataforma JF Salvando Todos, que está trazendo muitos indicadores e explicações a respeito da pandemia. É um serviço bastante útil que o grupo tem algum envolvimento.

Considerando os estudos, qual a territorialização da pandemia na cidade de Juiz de Fora e os segmentos populacionais mais atingidos ( classe, gênero, raça, profissão)?

Nós não temos como ver classe social nos dados que nós temos aqui em Juiz de Fora. Então o único dado que teria preenchido a respeito disso seria o nível educacional, mas nós não temos esse dado de nível educacional bem preenchido então é impossível fazer qualquer associação da pandemia com qualquer classe social. A pandemia começou principalmente nos bairros centrais, onde continuam as maiores taxas de incidência. No Centro, São Matheus, Alto dos Passos, Bom Pastor e, com o tempo, isso foi chegando na Zona Norte. Provavelmente Benfica é a região mais afetada hoje fora da região central, e também agora se observa em Santa Luzia, e mais algumas coisas chegando da periferia de Juiz de Fora, mas a maior concentração ainda é na região central. E isso a gente acha que independe um pouco de fatores sociais propriamente ditos. São áreas de maior circulação de comércio, e onde há maior exposição aos casos. Mesma coisa Benfica, que é uma outra cidade, praticamente, em Juiz de Fora com comércio próprio. Então, onde há essa grande aglomeração a gente vê maiores incidências. A gente não consegue ainda em Juiz de Fora fazer uma associação com essa questão de estratos sociais. A gente fez, na última nota técnica que lançamos, uma tentativa que nós fizemos a partir do índice de vulnerabilidade que nós temos por bairro da cidade, mas por incrível que pareça, os bairros de média vulnerabilidade e baixa vulnerabilidade social são os que estão apresentando os maiores números de casos. A doença começou em uma classe média mais alta e tendeu a se estabilizar nisso e Juiz de Fora, com o isolamento, deu uma segurada, então a gente ainda não viu grandes explosões na periferia ainda, e a gente espera que isso se mantenha. Em termos de sexo está bem dividido, com um percentual um pouco maior nas mulheres, mas é coisa em torno de 60% nas mulheres e o restante nos homens, mas isso também reflete um pouco a distribuição populacional, que tem um pouco mais o número de mulheres que de homens, e em termos de faixa etária está bem distribuído, mas nós vemos bastante contaminação nas faixas etárias economicamente ativas, entre 30 e 50 anos a gente concentra praticamente 70% de todos os casos em Juiz de Fora.

e acordo com os estudos qual seriam as medidas adequada (?)

Quais os indicadores adotados pelo poder municipal para tomada de decisões sobre o modelo de isolamento adotado e suas implicações para o cenário da pandemia no período que se segue?

O Minas Consciente traz algumas medidas interessantes de serem adotadas. Obviamente ele não é perfeito. Há muita crítica que nós fizemos a respeito do Minas Consciente. Saiu publicado em notas, reportagens, mas ele é uma boa forma de orientar. Aquela estratégia de ondas e vinculação de alguns indicadores da epidemia com ocupação de leitos, é hoje tida como a única forma que nós temos de poder flexibilizar. Então os indicadores que a prefeitura tem usado são os que estão descritos no programa Minas Consciente e eles adotam algumas restrições. Por exemplo, os bares abertos pelo Minas Consciente foram fechados baseados nos dados que nós levantamos e mostramos um aumento da pandemia. Isso foi baseado nos dados da pandemia em Juiz de Fora, basicamente na incidência aumentada do número de casos confirmados. Outra coisa que é interessante é o aumento da testagem. Nós tínhamos uma população sendo testada pelo Estado muito restritiva, então a UFJF, com recursos próprios, acabou adquirindo kits de teste e nós ampliamos, desde o dia 25 de junho, a testagem ampliada para qualquer suspeito, com sintomas  e acima dos 20 anos. Então isso também vai trazer para a gente agora, essa pequena série histórica, alguma informação a mais de como é que está essa pandemia, porque antes eram testadas populações muito restritas pela saúde pública, e o restante que vinha pra gente era dos laboratórios particulares. Isso é interessante pois em média 75% dos testes positivados de Juiz de Fora vieram dos laboratórios particulares, ou seja, pessoas que procuraram médicos ou se testaram por curiosidade. Então a gente tem adotado essa forma de tentar acompanhar. E o Minas Consciente, apesar de várias críticas que nós temos, ele não é de todo ruim na forma de tentar flexibilizar. Alguns indicadores, que precisam ser melhor trabalhados, como por exemplo espera de leitos, que nós ainda não temos, mas vai começar a ter muito em breve, a incidência, acima de um certo valor comparado com o Brasil também é uma coisa correta. O ideal seria também a gente começar a ver o número de casos diários caírem ao longo do tempo, coisa que não temos observado ainda. Eles têm aumentado.

Qual a situação de utilização do sistema de saúde na cidade e qual sua capacidade diante do cenário previsto nos estudos?

Estamos com quase 86% dos leitos de UTI ocupados, isso contando saúde pública e saúde privada. Na saúde pública, o índice está um pouco mais alto, já sabemos por exemplo que HU, HPS, Hospital João Penido estão quase todos lotados. A maternidade já sabemos que está lotada, então está começando a ficar perigoso realmente. Na saúde privada a ocupação está um pouco menor, então, na média geral, estamos com 86% dos leitos de UTI ocupados. Para os leitos de enfermaria, a coisa está um pouco mais confortável. Então temos aí uma ocupação que dá para ver, pelo painel da prefeitura, que permite um pouco mais de tranquilidade. Mas as UTIs estão começando a preocupar já sim, principalmente na saúde pública.

Qual o papel do Grupo de estudo da UFJF frente ao poder municipal para definição das políticas de combate e controle da pandemia? 

Esse grupo de estudos foi formado no dia 25 de março a partir da solicitação da própria reitoria e me foi feito o convite para coordenar e montar. Já conta hoje com 6 docentes: eu, o professor Alfredo Chaoubah do Departamento de Estatística, o professor Marcel de Toledo do Departamento de Estatística, a professora Isabel Leite da Saúde Coletiva, Faculdade de Medicina, professora Maria Teresa, também da saúde coletiva, o professor Mário Círio Nogueira, também da saúde coletiva e o professor Mário Dantas que é da ciência da computação e trabalhou em uma plataforma de simulação que a gente deve publicar em breve. Então estamos com essa equipe e temos tido contato constante com o poder público. Eles se baseiam muito nos nossos relatórios e nas nossas percepções. O prefeito pessoalmente por vezes me liga, então eles têm um contato muito grande com a gente. O Rômulo Freitas Veiga também, que é o secretário de planejamento do município atualmente, que está à frente de um comitê de enfrentamento ao Covid. E eu, junto com o professor Marcos David, faço parte do comitê de enfrentamento do município, com reuniões todas as terças-feiras às 18 horas, onde são discutidos os temas da pandemia. É um colegiado deliberativo a respeito das ações de combate e enfrentamento ao Covid. Então a gente tem participado ativamente disso. Além disso, nós temos feito também apresentações para a promotoria de saúde, solicitadas pelo Doutor Rodrigo Barros. Já fizemos duas apresentações para os promotores e prefeitos da microrregião, que estão solicitando bastante da gente, e temos sido muito solícitos a isso. Já demos também uma assessoria para o pessoal de Leopoldina, a pedido do secretário de lá. Nesse sentido, estamos bem confortáveis no que tem se confiado muito nas nossas inferências, nossos pontos de vista, nossas críticas etc. Às vezes é difícil eles segurarem, já que há n fatores de pressão para além do que a evidência científica traz, mas eu acho que nesse sentido o poder público tem utilizado de uma maneira bastante positiva tudo que nós viemos fazendo com o grupo de modelagem epidemiológica.