Falta de professores e de estrutura marcou o início do ano nas Federais*

No país que pretende assumir a liderança econômica entre os emergentes e que se vangloria de ser (por enquanto) a sexta economia mundial, aulas nas universidades federais têm sido suspensas por falta de professor e de infraestrutura. Levantamento feito pelo ANDES-SN mostra que o problema está presente em todas as regiões do país e atinge, principalmente, os cursos que foram criados nos últimos anos pelo Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

No campus de Macaé (UFRJ), criado pelo Reuni, os alunos de Medicina estão em greve desde o dia 2 de abril devido às más condições do curso, que sofre com a falta de professores e de laboratórios e por não disponibilizar uma rede de hospitais onde os alunos possam ter aulas práticas (foto 1). A paralisação permanecia até o fechamento da edição.

Os estudantes reivindicam a transferência para o curso de Medicina do Fundão (campus da UFRJ na capital fluminense). Em entrevista ao jornal da Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj – Seção Sindical), o diretor da Faculdade de Medicina da UFRJ, Roberto Medronho, adiantou que caso os problemas na Medicina em Macaé não sejam resolvidos devem ser suspensas as vagas no próximo Enem/Sisu. O curso começou a funcionar em 2009 e tem atualmente 159 alunos.

Em nota pública enviada para a comunidade acadêmica, os estudantes denunciaram, entre outros problemas, a falta de professores e de hospitais em Macaé que tenham médicos diaristas, o que impede a prática de residência médica. Também reclamam que um professor chega a atender 15 alunos nas aulas em ambiente hospitalar, um número três vezes maior que o recomendado. O laboratório usado nas aulas de anatomia é precarizado “sem cadáveres formolizados e contando com poucas peças plastinadas.”

Outra reclamação é que disciplinas essenciais não foram ministradas. Para a professora titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFRJ e responsável pelo processo de seleção de preceptores em Macaé para o curso de Medicina local, Vera Halfoun, os baixos salários oferecidos aos professores têm impedido que os médicos queiram ensinar e, assim, consolidar o curso.

De acordo com a nota dos estudantes, um concurso para professor de Radiologia ficou aberto por seis meses sem que aparecesse um candidato. Os salários oferecidos, realmente, não são atrativos: caso um médico sem mestrado queira trabalhar como professor, ele vai receber R$ 1.536,46 por 20 horas semanais de trabalho. Valor seis vezes menor que o piso da categoria defendido pela Federação Nacional dos Médicos (Fenam), que é de R$ 9.813,00 para a mesma carga horária.

A dificuldade em fixar professores tem sobrecarregado os abnegados que continuam dando aulas na faculdade. “Dei aulas de bioquímica todos os dias, das 8h ao meio-dia, por absoluta falta de professores”, disse ao jornal da Adufrj – SSind. o professor Moisés Xavier. Sem condições de trabalhar, o coordenador e a vice-coordenadora do curso, professores Paulo Xavier e Ana Lúcia Abreu pediram exoneração da função no começo de abril.

Sem campo para estágio
A falta de estrutura não é uma realidade, apenas, da Faculdade de Medicina de Macaé. No campus de Cuité, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) na Paraíba, os estudantes de Enfermagem também resolveram entrar em greve no início de março em protesto contra a péssima estrutura do curso, também criado no Reuni. Eles reclamam da insuficiência de professores, da falta de docentes para acompanhar os estágios e da indisponibilidade de locais para estagiarem.

“O curso foi criado sem que o município e a região dispusessem de hospitais onde os estudantes pudessem fazer a parte prática. Não há na redondeza, por exemplo, nenhuma unidade de terapia intensiva ou centro cirúrgico onde os alunos possam fazer estágio nessas áreas”, critica Antonio Lisboa, diretor-secretário da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Campina Grande (Adufcg – Seção Sindical).

Para Lisboa, é como se os enfermeiros formados no campus de Cuité não precisem ser capacitados na sua totalidade, mas apenas para atender aos casos mais simples. É a velha divisão, presente na universidade brasileira, de faculdades de primeira, segunda e terceira classe.

Os alunos voltaram para a sala de aula no dia 18 de março, mas continua a falta de campo para estágio. “Vários professores foram contratados recentemente como temporários, diminuindo esse problema, mas o Hospital de Cuité continua a não comportar estágios mais avançados na área de enfermagem”, constata a estudante Elida Regina Dantas.

A assessoria de imprensa da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) confirma a falta de campo de estágio não só em Cuité, mas em outros locais do sertão paraibano, como em Cajazeiras, onde funciona um curso de Medicina criado há pouco mais de três anos. A universidade tem feito convênios com hospitais públicos para tentar assegurar os estágios dos estudantes.

A UFCG também confirmou outra denúncia feita por Lisboa de que a fossa séptica do prédio de Odontologia de Patos, também criado recentemente pelo Reuni, apresentou problemas, o que estava impedindo a prática ambulatorial. A situação, no entanto, já foi resolvida, assegurou a assessoria.

Assim como na maioria, para não dizer em todas as universidades federais, a UFCG sofre com a falta de professores. Segundo Lisboa, em alguns cursos foi preciso juntar duas turmas em uma, para garantir que os alunos não ficassem sem aula nesse semestre. “O professor teve de assumir uma sala de aula com o dobro de alunos aconselhado e, ainda, em níveis diferentes de aprendizagem”, denunciou.

Faltam bibliotecas
Na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o diretor do Instituto de Ciências Humanas (ICHL), Nelson Noronha, em entrevista ao jornal da Associação dos Docentes da UFAM (Adua – Seção Sindical) no final do ano passado, argumentou que o Reuni criou vários cursos sem a contra-partida na contratação de professores e na estrutura. De 2008 até 2011, o número de cursos no ICHL subiu de 16 para 22, um aumento de 37%, mas o percentual não foi acompanhado na contratação de professores e na construção de salas de aula e laboratórios. A situação seria amenizada este ano, com a inauguração de mais um prédio para o ICHL, o que não ocorreu (foto 2 – situação do prédio na data prevista para entrega – junho/2011).

Se a situação no campus central da UFAM é difícil, nos campi avançados de Coari, Benjamin Constant, Parintins, Humaitá e Itacoatiara ela é ainda mais precária. “Com a expansão, foram criados cursos sem que fosse dada a mínima condição de funcionamento”, denuncia o 2º vice-presidente da Regional Norte I do ANDES-SN, Francisco Jacob Paiva.

Em Benjamin Constant, estava previsto a construção de três prédios, mas só um foi entregue e mesmo este apresenta rachaduras na parede. Os campi também não tem bibliotecas.

Jacob Paiva argumenta que um dos grandes problemas na Amazônia é a falta de professores, já que são poucos os que se dispõem a trabalhar no interior da região Norte. “O acesso é muito difícil, geralmente de barco ou avião, e o custo de vida é muito alto, o que acaba desestimulando a docência nesses lugares”, afirmou. Quem fica para dar aulas, acaba sobrecarregado. De acordo com o professor da UFAM, Josenildo Santos de Souza, em Benjamim Constant são 63 professores para mais de 1 mil alunos.

Outra crítica feita pelo diretor do ANDES-SN é quanto a dissociabilidade entre os cursos oferecidos e a realidade econômica da região. “Infelizmente, estamos formando nutricionistas, químicos, engenheiros de produção, farmacêuticos e outros profissionais nos campi do interior do estado, mas lá não há mercado de trabalho, o que acaba obrigando as pessoas a se deslocarem e provocando migração”, argumentou Jacob. Ele defende que deveriam ser oferecidos cursos mais apropriados à realidade econômica de cada local.

Para Lisboa, da Adufcg – SSind, os problemas de dissociação entre o mercado de trabalho local e os cursos criados têm sua origem no fato de o Reuni não ter sido discutido “nem pela comunidade acadêmica, muito menos pela população onde esses cursos foram instalados”, avalia.

Docentes comprometidos
No Paraná, os principais problemas estão no campus de Palotina, localizado a cerca de 600 km de Curitiba e ampliado recentemente pelo Reuni. A previsão era de que com o campus abrigaria cinco novos cursos, passando de 300 alunos em 2008 para 2.300 até o final de 2015.

No final do ano passado, a Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná (Apufpr – Seção Sindical) editou um jornal relatando a situação do campus. Foi constatado que estudantes, docentes e técnicos estavam sofrendo diversos problemas em relação à falta de estrutura física, material e de pessoal, devido aos recursos que ainda não chegaram. Entre os problemas estavam a carga horária elevada, laboratórios em banheiros e cancelamento de disciplina por falta de equipamentos básicos, entre outros (foto 3).

No início de março, diretores da Apufpr – SSind voltaram a Palotina e verificaram que tudo continuava como antes. “Conversei com professores em seus próprios locais de trabalho e constatei que são docentes totalmente comprometidos com a UFPR, mas que vêm enfrentando sérios problemas de estrutura física, como calor intenso, laboratórios improvisados e até paredes com rachaduras que colocam em risco servidores e estudantes”, contou o vice-presidente da Apufpr – SSind, Rodrigo Horochovski.

Na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Seropédica, professores e estudantes do Departamento de Geociência também reclamam da falta de estrutura. Em reunião no início de março, foi decretado o estado de mobilização permanente em decorrência das péssimas condições do local. A comunidade acadêmica quer reparos nos três prédios e mais a construção de outro anexo para abrigar 35 docentes e 300 alunos, que não contam com banheiro decente e com água encanada. O curso de Geografia está sem laboratórios e sem salas de aula apropriadas.

De acordo com a coordenadora do curso, professora Regina Cohen Barros, tudo o que eles receberam ultimamente foi um computador, um laptop e uma impressora. Professores também relataram nessa reunião, noticiada no jornal da Associação dos Docentes da UFR-RJ (Adur-RJ – Seção Sindical), que muitas vezes têm de terminar trabalhos em casa porque a internet da universidade cai constantemente. (foto 4)

No caso do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFR-RJ, o semestre começou sem que as obras do prédio de aulas teóricas estivessem concluídas. Por pressão dos professores, foram colocados os ventiladores, mas ainda faltam reparos.

Para o chefe de Departamento de Geociências e vice-diretor do Instituto de Agronomia, professor Sérgio Brandolise Citroni, a UFR-RJ aderiu ao Reuni sem ter condições de levar adiante a empreita. “O resultado foi a criação de novos cursos sem a infraestrutura de aulas e várias obras intermináveis, com critérios mal definidos e equivocados”, avaliou. Uma análise que se aplica não só à UFR-RJ, mas a todas às obras do Reuni.

No Rio Grande do Sul, a situação também não é diferente. A Universidade Federal do Pampa (Unipampa), instituição multicampi criada em 2006 pelo governo Lula e que está presente em 10 municípios gaúchos, os estudantes do campus de Bagé, que é o maior, não têm residência estudantil, nem restaurante universitário, público ou particular. Alunos e professores que ficam no campus são obrigados a comer em tendas armadas pelos ambulantes que vendem comida no local. (foto 5)

Devido às condições precárias, é grande a rotatividade de professores que desistem de dar aulas na região. De acordo com pesquisa feita pela Seção Sindical do ANDES-SN na Unipampa (Sesunipampa), o índice de evasão de professores em Bagé é de 23,4% e em Caçapava do Sul é de 23,3%. No primeiro ano de instalação da Unipampa, em 2006, todos os professores que foram nomeados para Caçapava pediram exoneração.

No campus do município de Frederico Westphalen, que faz parte do Centro de Educação Superior Norte (Cesnors) da Universidade Federal de Santa Maria, o Reuni impôs a expansão, mas sem a necessária contrapartida na contratação de professores. O chefe do Departamento de Ciências Agronômicas e Ambientais desse campus, Clovis Orlando da Ros, disse que seria necessário ampliar o quadro de professores em um terço.

“A previsão inicial era de que seriam contratados 24 professores, mas hoje só trabalham 17”, denunciou, em entrevista ao jornalista Fritz Nunes, da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm). Também faltam laboratórios para aulas práticas e salas de aula.

O curso de Nutrição do campus de Palmeira das Missões, que faz parte do Cesnors da UFSM também sofre com poucos professores. A coordenadora do curso, professora Loiva Beatriz Dallepiane, diz que a previsão inicial era de que 18 docentes seriam lotados no curso, mas hoje trabalham apenas sete professores para atender 135 alunos. De acordo com relatos feitos por dirigentes sindicais na última reunião do setor das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), também estão faltando professores nas universidades federais de Lavras e do Amapá.

A falta de docentes e de condições de trabalho nas universidades federais é denunciada, inclusive, pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Em reunião com a diretoria do ANDES-SN, em março deste ano, o presidente da entidade, reitor da Universidade Federal de Ouro Preto, João Luiz Martins, disse que muitas universidades tiveram de cancelar a entrada de estudantes por falta de professores. “O problema ainda está localizado em alguns lugares, mas já é um reflexo da situação geral”, reclamou o reitor.

A expansão sem qualidade trazida pelo Reuni vem sendo denunciada pelo ANDES-SN desde a edição do decreto presidencial 6.096/07, que criou o programa. O Sindicato Nacional defende o aumento do número de vagas, mas desde que acompanhado da melhoria da infraestrutura (salas de aula, laboratórios e bibliotecas) e da contratação de professores, respeitando-se a autonomia universitária.

*matéria publicada na edição de abril/2012 do InformANDES impresso. As informações relativas às paralisações se referem ao período de publicação original do texto.

Com colaboração e fotos da Adur-rj, Adufrj, Sedufsm, Adua e Apufpr.

 

Fonte: ANDES-SN