Ludmila Bandeira conversa com a APES sobre feminismo camponês

Dando continuidade ao Ciclo de entrevistas com mulheres de luta, realizadas pela APES, conversamos com Ludmila Bandeira, membra da Coordenação Nacional do Setor de Saúde do Movimento Sem Terra. 

1- Assim como as do meio urbano, mulheres do campo são expostas à diferentes tipos de opressões, frutos do machismo. De acordo com a sua vivência, como tais opressões se apresentam? Existem ações que possibilitam o combate de tais violências?

Queria reafirmar que não existem diferenças. Acho que das mesmas violências sofridas pelas companheiras da cidade, as do campo também sofrem. Machismo, todas elas! Gostaria de acrescentar algumas outras: a ausência da Reforma Agrária pelo Estado brasileiro nos coloca num lugar do “não-lugar”! É a violência que também começa com a mulher, e vai levando a família como um todo.

Mais recentemente a retirada dos direitos da previdência foi um ataque muito grave às mulheres do campo, que são as que vão trabalhar mais, as que sofrerão mais com as medidas que foram tomadas. Em seguida, como mais um elemento, o alto número de fechamentos de escolas do campo, onde são as mulheres que levam as crianças para a escola.  Mais um elemento: a liberação dos agrotóxicos, já foram mais de 500 liberados, os que foram banidos na Europa, e também aqui no Brasil já foram liberados novamente para uso aqui, e quem sofre as consequências do uso são as mulheres! Essas são violências acrescidas àquelas que as mulheres da cidade também sofrem.

2- A luta feminista de mulheres que vivem em área rural apresenta pautas específicas? Se sim, quais são essas? 

Uma é exigir a reforma agrária, hoje chamamos de Reforma Agrária Popular, que não só é repartir, mas sim repartir a terra para quem precisa e fazer com que as mulheres e suas famílias estejam dentro dessa terra e produzir com dignidade, para não gerar as favelas rurais (jogar as famílias em pedaços de terra e deixar à própria sorte). Além da Reforma Agrária Popular, há também a campanha que nós fazemos contra o uso do agrotóxico e pela vida.

3-Como se dá a luta pela equidade entre os gêneros no campo? E como são desenvolvidas as pautas feministas entre as mulheres que lá vivem?

3- O MST hoje está construindo o feminismo camponês, que é autônomo, porque as mulheres camponesas que decidem os rumos do movimento, é de base porque quem está construindo são as mulheres dos acampamentos e assentamentos e o diferencial é porque a gente também discute classe, e nós, mulheres, assumimos mais da metade da classe trabalhadora e isso é muito relevante!

 Camponês porque as mulheres são as protagonistas, as mulheres camponesas que estão no centro dessa proposta, então não é simplesmente um feminismo por si só. Ele discute a classe trabalhadora, a gente define o lado que a gente tá, e o sujeito né?! O sujeito somos nós, “mulheres do campo”. E é popular porque assume a construção de um projeto popular para o Brasil, isso é importante! Já há alguns anos a gente vem usando essa expressão do feminismo camponês.

4- Você sente que há intercâmbio de ideias entre movimentos feministas do campo e da cidade? 

Sim, a gente acredita que há intercâmbio entre as mulheres do campo e da cidade, sobretudo nos últimos anos isso tem ficado bem claro, no sentido de nós enfatizarmos a importância e a necessidade do 8 de março, desde o ato “Ele não”, em que tanto os movimentos feministas do campo e da cidade estiveram juntos. Acho que a conjuntura naquele momento impôs isso. Antes disso já acontecia, mas de lá pra cá deu uma fortalecida. 

Para o 8 de março deste ano, realizamos o primeiro encontro das mulheres do Movimento Sem Terra, que aconteceu do dia 5 ao dia 9 de março, com os 24 estados em que o movimento está organizado, trazendo experiências das mulheres, trazendo um pouco da arte e da cultura que a gente tem realizado nas nossas áreas. Lá discutimos também o feminismo camponês e isso é importante, é importante para nós por ser o primeiro encontro nesses 36 anos que o movimento tem de luta, história e resistência e é a primeira vez em que as mulheres se encontrarão, isso é muito bonito! Será a primeira grande luta do MST em 2020, contra esse governo que está colocado, contra o Governo Bolsonaro. E as companheiras da cidade estarão juntas.

5- Como se deram as ações do encontro? Como foi a sua participação?

O Encontro contou com 3500 mulheres do Brasil todo, os 24 estados que o movimento está organizado. Lá, nesses três dias e meio de encontro, a gente conseguiu fazer espaços de informação/estudo, então tivemos análise de conjuntura, fizemos estudo sobre o patriarcado e como isso reflete na luta das mulheres.

Ao mesmo tempo, nos períodos da tarde, nós tínhamos uma feira com produções das mulheres, do que a gente tem produzido nas áreas de Reforma Agrária. Na parte da noite com espaços mais culturais, então contamos também com bandas e espetáculos, todos organizados por mulheres sem terra. 

Nós tivemos algumas participações também de parceiros, mas a maioria das intervenções culturais eram nossas, das mulheres do MST. Junto com isso tudo, nós tínhamos o espaço de cuidado, em que eu, especificamente trabalhei, como faço parte do setor de saúde. A gente tinha o Espaço de Cuidados Maria Aragão, que é o espaço onde a gente faz o cuidado das companheiras que tenham algum problema de saúde, que cuidam, com fitoterápicos, práticas alternativas de cuidado, com reiki, massagem, shiatsu, acupuntura, em que cada uma vai trazendo um pouco do seu conhecimento. As bruxas e bruxos, tinham alguns companheiros cuidando, mas em sua maioria mulheres. 

Nós tivemos mais de 850 cuidados dentro desta Tenda Maria Aragão, mais de 15 terapias diferentes, cinco acompanhamentos ao hospital, que nós tivemos de deslocamento de fora do espaço, mais de 100 cuidadoras e cuidadores, participando também das plenárias dos espaços de estudo e nas escalas que nós fizemos, conseguiam também participar um pouco com as práticas. Nós contamos com mais de 20 médicos, alguns formados pelo Movimento Sem Terra em Cuba e Venezuela outra parte da Rede de Médicos Populares.