Especial Ensino Remoto Emergencial e Portaria 983

 

Neste Informativo Especial, a APES apresenta uma caracterização do Ensino Remoto Emergencial no contexto da pandemia e dos ataques à educação. E informa sobre ações e posicionamentos da entidade no sentido de construir a luta por uma educação de qualidade e condições adequadas de trabalho e de ensino-aprendizagem neste novo contexto.

 

Ensino Remoto Emergencial: contexto de implementação

 

Um dos aspectos essenciais da nossa longa jornada de luta alinha os pressupostos da oferta de uma educação pública de qualidade para todas e todos, com recursos públicos suficientes para a construção e a manutenção do tripé fundamental da educação superior, técnica e tecnológica (tripé este que coloca em aproximação criativa as ações de ensino, de pesquisa e de extensão e sua retroalimentação produtiva), e a construção de condições de trabalho que primem por garantir condições materiais, físicas e emocionais dos profissionais da educação compatíveis com as exigências para a prática do seu trabalho. A nossa luta desenhou e defendeu a equivalência entre os ideais emancipatórios da educação com condições de trabalho compatíveis com a consecução desse projeto. Como parte desse ideário viceja o ensino presencial, no qual, a troca é mediada pela experiência e diversidade dos corpos, na expressão da totalidade das suas existências. Este projeto tem como destino a sala de aula e suas materialidades. 

As exigências para a manutenção da vida no contexto de pandemia em 2020 apresentaram soluções inusitadas para as nossas instituições. Acabou por demandar o desenvolvimento de ações que pretendessem mitigar os impactos da ausência de atividades de ensino, pesquisa e extensão já consagradas e reconhecidas por sua qualidade nos nossos ambientes de trabalho.

Foi nesse cenário que o Ensino Remoto Emergencial foi justificado e implementado nas diversas Instituições de Ensino Superior do Brasil. No contexto de sua implementação, apresentamos diversos apontamentos quanto à abrangência da sua utilização, seus riscos e perigos, pois a qualidade do ensino, a questão do acesso pelos discentes, bem como, as condições técnicas e humanas necessárias para a sua implementação indicavam os seus principais desafios. Denunciamos as perdas, mas prevaleceu o esforço em produzir alguma ação, sobretudo, no cenário de extensão da vigência da pandemia, agravado pelos desmandos, anticientificismo e protelamentos perpetrados pelo governo Bolsonaro.

Contudo, a materialidade deletéria dos efeitos do Ensino Remoto Emergencial se fez perceber nesses poucos meses que nos separam das discussões sobre a sua implementação. Relatos de excesso de jornada de trabalho; dificuldade de operacionalidade técnica e seus riscos inerentes; invasão da vida privada; não distinção entre âmbito do trabalho e o familiar; destratamentos próprios aos meios virtuais;  condições técnicas insatisfatórias para a produção de aulas e das interações; ausência de plataforma pública, entre outros, se fizeram presentes nas falas de docentes, atrelados ao frequente quadro de adoecimento relatado por nossos pares.  Desse modo, a falta de condições de trabalho flerta com o sofrimento docente e com a derrocada da qualidade de ensino ofertada por nossas instituições. 

Contudo, se já não bastassem essas razões para indicar o sentido da materialidade da luta, o governo Bolsonaro edita a Portaria 983, que reorienta as condições de trabalho para os docentes EBTT. Entre outras disposições, legisla sobre o mínimo de horas aulas, que passa a ser o de 14 horas-relógio. O mínimo de aulas de 50 minutos passará a ser de 17 para os docentes com dedicação exclusiva, com a necessidade de registro de controle eletrônico de frequência para as atividades de ensino.

É sobre este cenário que nos debruçamos para construir uma posição crítica e ações coletivas de enfrentamento, seguindo em luta em defesa da educação pública e por condições de trabalho adequadas. Abaixo, destacamos os principais problemas relatados pela categoria docente em relação aos impactos do ERE em suas atividades.

 

Principais problemas destacados

 

Considerando a experiência agregada local e nacionalmente, já é possível identificar os impactos do Ensino Remoto Emergencial na qualidade da educação, na caracterização da carreira docente e na relação entre docentes e estudantes, ameaçando o projeto de educação no qual acreditamos e pelo qual lutamos. Ressaltamos abaixo os seguintes pontos identificados pela categoria:

Sobretrabalho:
Intensificação acentuada do trabalho agravada pela dificuldade (impossibilidade) de controle da jornada de trabalho.

Precarização das condições de trabalho:
Queda acentuada das condições de trabalho. O modelo trazido pelo ensino remoto exige grande investimento em equipamentos e infraestrutura, que não são disponíveis em nossas residências. Entre os elementos de infraestrutura podemos destacar:

  • Acesso e banda larga de qualidade;
  • Aumento do consumo de energia elétrica;
  • Questões relacionadas a ergonomia como: mobiliário, espaço físico, iluminação, etc;
  • Equipamentos adequados como computadores, impressoras, etc;

Tais elementos são agravados pelo sobretrabalho e sobrejornada, trazendo como consequência a precarização da atividade docente.

Relacionamento professor/estudante por meios digitais:
Condicionamento da relação docente/discentes por meios digitais, introduzindo elementos novos e extremamente negativos para a relação, aumentando o distanciamento ao mesmo tempo em que contribui para a quebra de normas mínimas de convívio social. Fenômeno semelhante ao ao que ocorre nas interações através das mídias sociais.

Queda da qualidade do ensino:
Somando-se aos limites inerentes à modalidade de ensino exclusivamente remoto, temos os elementos acima citados que contribuem de forma decisiva para a oferta de um ensino que não atende aos requisitos mínimos de qualidade. Para tornar a situação ainda pior, amplia a heterogeneidade das práticas de ensino pelos docentes. Devemos lembrar que a maior parte da categoria não foi treinada para a oferta de ensino remo e não serão cursos de capacitação curtos e sobrepostos ao já extenuante trabalho nas instituições que mitigarão este problema. Essa heterogeneidade traz elementos adicionais que ampliam a competitividade entre colegas e desgastam ainda mais as relações de trabalho.

Problemas com a imagem
Não há solução para proteção da imagem de docentes e discentes na modalidade remota. Pelos modelos implantados nas IES, vídeos devem ser disponibilizados em mídias sociais e/ou plataformas privadas de grandes corporações, expondo a imagem de docentes e discentes.

Invasão da privacidade
Exposição não voluntária da vida privada de docentes e discentes através de imagens e áudio, criando diversos problemas e situações constrangedoras que estão absolutamente fora do controle dos mesmos e das instituições.

Adoecimento da categoria
A já difícil situação causada pela pandemia para docentes e discentes, tem sido agravada pelos elementos acima citados que contribuem para o maior adoecimento da categoria no período

Avanço do capital
O avanço do projeto do capital sobre a educação vem se solidificando no período. Paulatinamente o ensino a distância vem sendo introduzido no país, aparecendo pela primeira vez na legislação em 1996. Em 2019, cursos presenciais passaram a poder ofertar até 40% de sua carga horária por meio de ensino a distância. A partir daí vem se processando uma revolução no ensino superior brasileiro, iniciando pelo setor privado. Os acentuados e seguidos cortes de recursos para a educação pública, seguido pelos critérios de distribuição de recursos para as instituições que se apoiam em número de cursos e alunos, forçam as instituições públicas para o mesmo caminho.

Nesse sentido, a Portaria 983 direcionada ao Ensino Básico, Técnico e Tecnológico se destaca, já que intensifica a sobrecarga de trabalho docente, reforçando os elementos para a adoção da modalidade a distância. A adoção indiscriminada das instituições públicas ao ensino remoto emergencial abriu o caminho para a utilização da modalidade para a totalidade dos cursos e disciplinas ofertadas pelas instituições, incluindo disciplinas práticas de laboratório, estágios, entre outros. Ao mesmo tempo, a administração pública vem propagando na mídia a economia gerada pelo trabalho e ensino remoto, destacando sua “eficiência”, mas omitindo a lógica perversa de transferência dos custos do trabalho para o próprio trabalhador e a vertiginosa queda de qualidade, já apontados nos elementos acima. Soma-se ainda o avanço das grandes corporações no ensino público através da adoção de plataformas “educacionais”, de armazenamento de dados em nuvem, de bibliotecas e bases de dados virtuais.

A revolução da educação pública está em curso e é marcada pelo avanço do setor privado, pela precarização do trabalho e do ensino, pela desumanização e fundamentalmente pela exclusão.

 

 

APES: ações e posicionamentos no contexto do ERE

 

Partindo das considerações acima apresentadas, a APES tem atuado em diversas instâncias e frentes para construir uma pauta docente específica diante dos novos desafios impostos pelo Ensino Remoto Emergencial, considerando, entretanto, que esta modalidade apenas acelera este projeto que destrói a educação enquanto direito social.

Como destacamos em informativos anteriores, a APES vem atuando nos conselhos superiores da UFJF e do IF Sudeste MG no sentido de garantir que em tais instituições, as decisões relativas ao ERE sejam tomadas de forma democrática, em diálogo com as entidades representativas, bem como respeitando as decisões e acolhendo as demandas da comunidade acadêmica e escolar. Um trabalho árduo e incessante de afirmação de nossa posição crítica, de defesa da categoria e do acompanhamento dos impactos e situações que o ERE traz nos diversos contextos acadêmicos e escolares. Apesar de todas as dificuldades, este trabalho vem sendo construído a partir de princípios debatidos e definidos nacionalmente no âmbito das reuniões e Conselhos do ANDES-SN, e localmente nas assembleias virtuais da APES, em conjunto com representantes da APES nas comissões institucionais e junto ao Conselho de Representantes.

Para manter nossa categoria informada, instruir sobre aspectos institucionais e legais do ERE e atuar de forma transparente, a APES vem divulgando em suas mídias documentos e matérias com elementos que buscam amparar docentes e pautar nossa atuação neste momento.

Acesse aqui o informativo digital publicado em setembro, que contém posicionamentos críticos e aspectos jurídicos sobre a implementação do “ensino remoto emergencial” no IF Sudeste MG e na UFJF

Na edição de Outubro do Jornal Travessia, da APES, foi publicada uma reportagem intitulada “Como anda o trabalho docente no Ensino Remoto Emergencial?”, na qual Conselheiros da APES contam como está a implementação do ERE na UFJF e no IF Sudeste MG. Acesse o Jornal aqui.

Em relação a Portaria 983 de 18 de novembro de 2020, a APES publica hoje um Parecer completo produzido por nossa assessoria jurídica. Leia aqui. Acesse aqui a notícia veiculada pela APES sobre a edição da portaria pelo governo. Acesse também a análise jurídica do ANDES.

Seguindo deliberação da assembleia de 25 de novembro, a APES enviou, ao ANDES-SN, carta com sugestões de estratégias de combate à portaria 983. Acesse a carta aqui.

Para construir a pauta da categoria docente adequada à realidade e demanda de nossa base, a APES mantém disponíveis dois novos canais de comunicação . Um questionário de múltipla escolha está disponível no site da APES. As perguntas pretendem realizar um diagnóstico rápido da atual situação da categoria, apresentando questões específicas sobre as condições de vida durante a pandemia e as condições de trabalho com a implementação do Ensino Remoto Emergencial. Acesse aqui.

Com a criação de uma linha direta no whatsapp, a APES cria uma forma de escuta sobre a experiência do trabalho remoto vivenciada no cotidiano pela categoria.  Neste canal, docentes podem enviar relatos de experiências, levantamento de questões, denúncias, apresentação de demandas e demais situações que possam ajudar a APES a atuar na defesa da categoria nesta nova situação de trabalho. Podem ser enviadas mensagem de texto ou áudio, ou por documentos de texto anexados à mensagem, para o número (32)99158-6940.

Por fim, ressaltamos que o posicionamento da APES em todas as frentes de atuação tem sido conduzidos por encaminhamento definido na Reunião de Setores do ANDES realizada em julho de 2020, e para o qual a APES contribuiu na construção. Neste sentido, a APES reafirma a defesa estratégica da educação presencial a ser retomada em condições seguras. E diante do avanço do ERE, a APES segue atuando de forma a: explicitar as contradições e as consequências do ERE para a precarização da qualidade do ensino e do trabalho docente;  lutar para garantir a democracia na construção das proposições das Instituições; respeitar e assegurar a liberdade de ensinar e aprender; construir protocolo pedagógico que prime pelas condições adequadas de trabalho, acesso universal e o padrão de qualidade do ensino; definir ações que superem as desigualdades no acesso; defender a construção de uma plataforma com software livre, própria, que poderia ter acontecido com universidades públicas das regiões e do país; enfatizar a transitoriedade do processo, neste momento emergencial.

 

 

        

Não responda a esse email

As mensagens à APES devem ser enviadas pelo faleconosco@apesjf.org.br. Somente desta forma poderão ser respondidas pela entidade.