28 de junho, Dia do Orgulho LGBTQIA+

Marcando o 28 de junho, Dia do Orgulho LGBTQIA+, a APES publica duas entrevistas. Uma com a professora Caroline Lima, Secretaria do ANDES-SN, da Coordenação do GT PCEGDS, Docente da UNEB, e outra com o professor Marco José de Oliveira Duarte, coordenador do Centro de Referência LGBTIQ+ da Faculdade de Serviço Social da UFJF.


Em momentos de pandemia, permanece a constatação de que a sociedade precisa ainda muito crescer no quesito tolerância e ações em defesa da diversidade. “A APES tem, em sua luta histórica pela valorização da educação e democracia,  seguidamente defendido a promoção de uma sociedade  solidária, sobretudo para as camadas mais prejudicadas. E isso passa obrigatoriamente pela defesa, em conjunto com o ANDES – Sindicato Nacional, dos direitos da população LGBTIQ+. Não é possível falar em democracia sem a superação da desigualdade, sem o respeito à diversidade e sem a reparação dos danos históricos de segregação e violência”, disse Marina Barbosa, presidente da APES.

Entrevista com a professora Caroline Lima – Secretaria do ANDES-SN, da Coordenação do Grupo de Trabalho de Políticas de Classe para as Questões Etnicorraciais, de Gênero e Diversidade Sexual, Docente da UNEB – campus XVIII

1 – Fale um pouco sobre as ações do ANDES-SN em defesa da diversidade e das políticas de combate à LGTBLfobia

1- Primeiro é importante frisar que o ANDES-SN, desde 2014, vem pautando, nos congressos e CONADS, a importância de se produzir materiais de formação política, materiais impressos, edição da nossa revista “Universidade e Sociedade”, que tocasse no debate da defesa da diversidade, da importância de uma universidade que fosse colorida, afetuosa e que respeitasse principalmente as nossas escolhas. Foi a partir dessa discussão e, casado com isso – sobre a forma com que as câmaras municipais estavam levando o debate dos planos municipais de educação, que estavam proibindo o debate de gênero, com o teor lgbtfóbico –  que o ANDES-SN aprovou a sua cartilha de combate às opressões, que foi lançada, inclusive, no nosso segundo encontro nacional de educação. Também lançamos no CONAD de 2016, a primeira edição da cartilha.

            Em 2017 no Congresso em Cuiabá, quando houve as denúncias de assédio sexual, inclusive de algumas ações lgbtfóbicas, essa cartilha de combate às opressões teve sua segunda edição e nela pautamos novamente o combate à lgbtfobia e começamos a construir calendários e atividades de formação para pautar a luta contra a lgbtfobia.

            O ANDES-SN se posicionou favorável à criminalização da lgbtfobia. Para nós, foi uma vitória importante o STF ter criminalizado. O ANDES-SN tem o dia 28 de junho,  dia do orgulho lgbt, 29 de janeiro, dia da visibilidade trans, 15 de maio também como o orgulho trans, travesti. São agendas do nosso sindicato nacional aprovadas em congresso, como ações para mobilizar as seções sindicais de pautarem isso nas suas atividades de formação.

            O Grupo de Trabalho, o GT PCGDS, que está na sua segunda edição, foi o segundo seminário integrado que pautou o quarto seminário da diversidade sexual que apresentou debates importantes, inclusive, sobre a população trans no Rio de Janeiro no ano passado, a partir disso nós acumulamos. Infelizmente veio a pandemia, mas nós estávamos construindo a possibilidade de realizar um documentário com as narrativas docentes de professores trans. Nós produzimos, em 2017, o documentário “Narrativas docentes dos professores lgbts”. Foi muito importante. É um documentário que traz experiências dos professores e professoras nas universidades de combate à lgbtfobia, mas que também é um material de formação política, além da cartilha, de informandes especial, de diversos materiais que a gente vem produzindo para pautar isso, além da agenda do 28 de junho.

2 – Qual é a posição do sindicato diante da necessidade do respeito à diversidade dentro das Instituições Federais de Ensino e mesmo dentro das instâncias do ANDES-SN e de outras instâncias sindicais…federações, centrais..?

            A posição do ANDES-SN é de defesa da diversidade, não só nos nossos materiais, não só o nosso caderno dois, não só na nossa agenda, como no 28 de junho como está aí colocado do orgulho lgbtti, mas por compreender que a universidade é o espaço da diversidade! As universidades, IFs e CEFET. A Luta do ANDES-SN contra a PL Escola Sem Partido não é à toa! O PL Escola Sem Partido é um projeto de lei que tem seu teor lgbtfóbico! Nós somos o país que mais mata trans, travestis, nós somos o país que mais mata a população lgbtti, que mais violenta a população lgbtti. Então, precisamos discutir, debater, criar espaços de debate, de formação, nas nossas universidades IF, CEFET, para superar esse discurso moralista de que a população lgbtti deve ser combatida, que deve ser proibida de entrar nos espaços da universidade, que têm os piores empregos. Romper com a lgbtfobia, com a violência contra a população lgbtti, só será possível quando a gente transformar a Universidade em um espaço onde discutir qualquer tema seja visto como um debate científico, político e crítico.

            O ANDES-SN vem se posicionando, ao longo dos seus 40 anos, na defesa da vida e agora, nesse momento de pandemia. E a pandemia intensificou essa violência, intensificou a discriminação, o preconceito. O ex-ministro representava, inclusive, essa parcela da sociedade que quer o extermínio da população lgbtti, que não quer que eles acessem a política pública. O Governo Bolsonaro questionou essas políticas públicas, não só isso, está desestruturando as políticas públicas, para aqueles e aquelas que são portadoras de HIV AIDS, porque chamou inclusive todos e todas essas pessoas porque são gays, são “veados”, e desqualificando quem tem a doença e dizendo que não vai ter dinheiro público para esse tipo de política pública, com um discurso lgbtfóbico. Nós, do ANDES-SN, imediatamente nos posicionamos, não só repudiando, mas sendo contra e fazendo uma ação contra essa movimentação do governo federal e continuamos na luta em defesa da diversidade e da vida, porque tendo em vista que o Brasil, no mundo, é o país que mais mata LGBTs, que mais mata trans e travestis, é em defesa da vida dessas pessoas que a gente continua lutando, nos movimentos sindicais, nos movimentos sociais, nas universidades, IF, CEFET, em defesa da diversidade e da vida.           

3 – Qual é a percepção sobre o preconceito dentro do dia a dia das Instituições Federais de Ensino. Em quais cenários ele ainda resiste? É forte? Vem decaindo? As reitorias têm se preocupado com a questão?

3- Nós tivemos uma ação do “desministro” Weintraub que ele, com a Portaria 545, desfazia a Portaria que garantia cotas étnico-raciais para pessoas da pós-graduação, que foi uma ação discriminatória, preconceituosa, mas que não tocava apenas na população negra, indígena e nas pessoas com deficiência. Essa portaria (que havia sido revogada) proporcionou que muitas universidades, em seus conselhos universitários, aprovassem cotas para a população trans e travestis na pós-graduação. Algumas universidades, a exemplo da Universidade do estado da Bahia, aprovaram, nos seus conselhos universitários, cotas para a população trans, na  graduação. E outras universidades estão fazendo isso, a Universidade Federal da Bahia, a UFSB, Universidade Federal do Sul da Bahia, diversas universidades estão garantindo, não só na pós-graduação, mas ampliando o debate para que a política de cotas, de ação e reparação, alcance, inclua a população lgbtti.

            A população lgbtti é a população que hoje está localizada, no mundo do trabalho, no subemprego. Com a pandemia, inclusive, os dados estão aí, a população lgbtti, as mulheres, foram os que mais sofreram com as demissões e que se encontravam em trabalho precarizado. Infelizmente, ainda são poucas as universidades que avançaram, aprovando no conselho universitário esta política de reparação e ações afirmativas, incluindo a população trans, travesti, na política de cotas. São poucas. São poucas porque no Brasil as nossas universidades ainda são conservadoras, com perfil elitista, branco, heteronormativa. Por isso que, para nós, inclusive para o ANDES-SN, é tão importante a política de reparação  de ações afirmativas, porque nós temos uma dívida histórica. Esse país tem uma dívida histórica. É importante lembrar que no Brasil, até o início do séc. XX, a população lgbtti, ou seja, os que eram considerados os homossexuais, as lésbicas, tinham pena de morte. Isso mudou, mas imagine para aqueles e aquelas que (por) ser gay, ser lésbica, foi crime no Brasil. Deixou de ser crime, mas a estrutura, as instituições ainda têm uma dificuldade de garantir os direitos dessa população, inclusive os direitos civis. Os direitos civis da população lgbtti, no Brasil, são muito recentes! Imagine que, mesmo o STF garantindo que a população lgbtti pode doar sangue, muitos hemocentros não estão aceitando que gays, lésbicas, trans, travestis, intersex, doem sangue e isso demonstra como nossas instituições são conservadoras. A Universidade também é uma instituição conservadora. Infelizmente essa política, pensando a diversidade, o avanço dos debates em relação à sexualidade e a garantia de uma política de cotas para a população trans, travestis, gays, lésbicas é ainda algo recente e poucas universidades adotaram essa política.

4 – Há algo que eu não perguntei que seria importante ressaltar?

4- Hoje nós temos professores e professoras trans nas universidades, pesquisadores, alguns que passaram nos últimos concursos, outros e outras que o seu processo ocorreu depois que entrou na universidade, e eu acho que é um debate que a gente precisa avançar sobre por que ainda temos tão poucos professores e professoras trans concursadas em nossas universidades. As bancas ainda são conservadoras. Imagine que nós temos uma lei federal de 2014 que garante que, nos concursos públicos, deve haver cotas raciais. Nas universidades, infelizmente essa lei vem sendo desrespeitada. Se não estamos conseguindo garantir em nossos concursos, em nossas seleções que professores negros e negras e indígenas tenham a garantia dessa política de cotas, imagine para a população lgbtti, para a população trans e travesti. A gente precisa avançar muito ainda, porque, se nós queremos que o povo se veja na universidade, que pode estar na universidade, significa dizer que o nosso corpo docente tem que refletir essa diversidade, a gente precisa avançar muito ainda nesse sentido e o ANDES-SN segue defendendo e apoiando as políticas de reparação e ações afirmativas, porque inclusive são políticas que nascem para ser uma política pública transitória, mas a dívida é impagável.

Entrevista com Marco José de Oliveira Duarte, coordenador do Centro de Referência LGBTIQ+, da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora.

1. Como você avalia hoje a importância do dia 17 de maio para o movimento LGBTQI+?

O 17 de maio é um marco para o movimento LGBTQI+ internacional. Porque retira da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS) a patologização das homossexualidades, posto pelo imperativo da heterossexualidade compulsória expressão da moral sexual burguesa. Mas cabe sinalizar que essa despatologização já havia tido sua primeira inscrição pela Associação Americana de Psiquiatria (A APA, do inglês American Psychiatric Association), ao retirar tal patologização do Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais (DSM), em 1973. Da mesma forma, em 1975, a Associação Americana de Psicologia (A APA, do inglês, American Psychological Association) seguiu a decisão de despatologização da homossexualidade, evitando preconceitos e estigmas falsos. Cabe ressaltar que essas mudanças, em território estadunidense, são devidas ao levante de Stonewall ocorrido em 28 de junho de 1969, que se comemora, desde então, na forma das conhecidas Paradas do Orgulho LGBTQI+ em todo o mundo. No Brasil, em 1985, por pressão do assim chamado movimento homossexual brasileiro (MHB), o Conselho Federal de Medicina recomendou à categoria médica, particularmente, aos psiquiatras, o não uso do código CID/OMS 302.0, justo a tal da patologização mental das orientações sexuais dissidentes da heteronormatividade. Portanto, retomando é no dia 17 de maio de 1990 que a OMS retira, definitivamente e de fato, do rol das doenças mentais, as homossexualidades, que deixa de ser um desvio, uma patologia. Contudo, cabe ressaltar que somente ano passado que a mesma OMS retira a transexualidade desse mesmo padrão de doença mental para sua nova edição, a 11ª da CID que começa a valer em 2022.

2. Como o movimento LGBTQI+ tem atuado dentro do conturbado cenário político brasileiro nos últimos anos? E qual é o seu balanço sobre essa atuação?

O movimento LGBTQI+ continua na resistência, mas isso já vem antes mesmo do novo cenário político atual. Primeiro cabe sinalizar que o movimento não é homogêneo, ele tem diferentes atores e atrizes, perspectivas, tendências, tensionamentos, disputas etc., como todo movimento social, ainda mais se interseccional com outros marcadores sociais de diferença, principalmente, com a questão racial. Dito isso, entende-se e se observa que tem setores ligados aos aparelhos de Estado, outros não tanto assim, mais independentes, autônomos, enfim, há uma pluralidade, que marca suas diversas orientações éticas, políticas e estéticas.

Por outro lado, é inconteste que o atual governo tenha extinguido o nosso Conselho Nacional de Combate à Discriminação – LGBT (CNCD-LGBT), mais conhecido como Conselho Nacional LGBT, um espaço de controle e participação social voltado para as políticas públicas LGBT. Contudo, se formos pensar desde o marco do Programa Nacional Brasil Sem Homofobia, em 2004 e as três Conferências Nacionais LGBT, em 2008, 2011 e 2016, bem como as diversas políticas setoriais para a população LGBT pautadas pelo poder executivo, essas se não retrocederam, foram extintas ou não se tem financiamento.

Por outro lado, veremos que muitos dos ditos direitos de cidadania LGBT, como o reconhecimento das uniões homoafetivas, o casamento civil igualitário, inclusive o estatuto legal dessas como famílias, a conquista de direitos previdenciários, a reprodução assistida, a criminalização da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero – a LGBTQIfobia, a adoção, o reconhecimento jurídico da retificação do registro civil em cartórios pela população trans (alteração do prenome e gênero) independente de pareceres, laudos e cirurgias de redesignação sexual e, mais recentemente, ao direto a doação de sangue (de gays frente ao impedimento por parte da ANVISA), foram conquistas judicializadas, localizadas no campo judiciário, que, contraditoriamente, tem promovido mais a garantia dos direitos LGBT do que o legislativo, que vem há tempos, se apresentando de forma conservadora e resistente, operando no sentido contrário desses direitos, como foi com o fim do PLC 122 (Criminalização da LGBTQIfobia), o engavetamento do projeto de identidade de gênero e fazendo surgir, sem muito êxito, projetos como o da “cura gay”, da “escola sem partido” etc.

Portanto, quando vemos o poder executivo hoje e seus discursos e práticas conservadoras em todos os sentidos e em várias políticas, e, particularmente para as LGBT não seria diferente, afinal estamos diante de um governo que defende uma política de morte, de aniquilamento da diferença, de retrocessos e perdas de direitos para a população como um todo, com seu discurso de ódio, racista, LGBTQIfobico, etc. Aí se entende o fim da política e dos direitos LGBT quando do novo reordenamento administrativo ao lançar o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) em 2019. Entende-se também a extinção do Conselho Nacional LGBT, como dissemos antes, mas agora um novo regimento para ativação desse conselho, com um corte de representação da sociedade civil -se antes tínhamos 15 entidades, agora se reduz a 3 (Embora os setores progressistas do movimento não vão concorrer a nenhum assento nessas cadeiras com um conselho desse governo que não se tem paridade, para tanto em uma articulação inédita, em âmbito nacional, criaram o Conselho Nacional Popular LGBT para esse tipo de enfrentamento). A manutenção de um setor, que diria, “faz de conta”, na estrutura do MMFDH, responsável pelos direitos LGBT e pior, tendo à frente uma gestora travesti. A não convocação da prometida IV Conferência Nacional LGBT etc. Portanto, com uma ministra que acredita na “cura gay”, partidária desses setores fundamentalistas que corroboram com discurso de ódio as LGBT, que afirma que “meninos usam azul e meninas usam rosa” e que reduz a reivindicação de direitos do movimento LGBTQI+ à “ideologia de gênero” (e, cabe aqui refutar essa falácia que impõe um moralismo, de fundo religioso, pois essa é sua origem, para enquadrar cada vez mais as relações entre gêneros e normatizar as sexualidades), não se tem nenhum garantia de direitos LGBT, nem mesmo de políticas nesse cenário e é por isso que a tendência majoritária do movimento LGBT é crítico ao governo, repudia e denuncia todos os retrocessos para a população brasileira em geral e em particular para, até então, precárias políticas e direitos LGBT por parte do executivo. Todas as manifestações no 17 de maio, como as do dia 28 de junho foram nesse sentido, de resistência e luta!

3. No que diz respeito que o Brasil é o campeão mundial de assassinatos de travestis e de mulheres transexuais, como encontra-se esse cenário de horror no contexto da pandemia?

Piorou! Mas é importante que se diga que a violência contra LGBTQI+, no geral, é um fenômeno que reflete no nosso cotidiano, pois são violências, violações e mortes de várias formas. Mas especificamente a população de travestis e transexuais, segundo os dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), em seu Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras, o Brasil se mantém como o que mais mata pessoas trans no mundo. O país passou do 55º lugar, em 2018 para o 68º, em 2019, no ranking de países seguros para a população LGBT. Se compararmos os dados de 2020, até agora, mesmo no período de pandemia, em relação ao ano de 2019, já tivemos um aumento de 39% no número de casos de assassinatos e ainda estamos no meio do ano.  Superando 2017, ano em que o Brasil apresentou o maior índice de assassinatos de sua história de acordo com o Altas da violência e Anuário da Segurança Pública para a população em geral, e, especificamente, para a população LGBT, em particular, corroboram nessa análise, os dados dos relatórios sobre violência LGBTQIfobica tanto do Grupo Gay da Bahia (GGB), como da Transgender Europe (TGEU), sinalizando que a cada 16 horas uma LGBTQI+ é morta, seja por assassinato ou por suicídio.

É bom acrescentar que, nesse contexto da pandemia, as vulnerabilidades e as precariedades das políticas e direitos LGBTQI também foram se agravando para pior. Isso se observa nos dados coletados e sistematizados pelo portal Vote LGBT, a partir de um survey online, recentemente, apontando, dentre tantos impactos da pandemia a população LGBT respondente no questionário, que as principais são: a piora quanto ao quadro de saúde mental; o afastamento da rede de apoio diversa e a falta de fonte de renda e trabalho. Nesse conjunto é bom frisar, e, particularmente, isso diz muito com o que recebemos de demandas no CeR-LGBTQI+, como casos de assassinatos, suicídios e violências diversas; o aumento de LGBTQI expulsos de suas casas, por suas famílias que reproduzem esse discurso moralizante e nada acolhedoras, ou seja, o afastamento da rede familiar de apoio; e muitas sujeitas que perderam seus empregos, reforçando a falta de renda e trabalho. É bom ressaltar que se a taxa de desemprego é alta e se mantém aumentando, para a população LGBTQI é o dobro, principalmente, em decorrência da LGBTQIfobia estrutural.

4. Geralmente, como funciona o atendimento à população LGBTQI+ no Centro de Referência de Promoção da Cidadania LGBTQI+, o CeR-LGBTQI+ da UFJF? Quais são as maiores demandas trazidas por essa população? E quais são os projetos desenvolvidos pelo CRDH com essa população?

A construção do Centro de Referência de Promoção da Cidadania de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer e Intersexos (CeR-LGBTQI+) da Universidade Federal de Juiz de Fora na cidade de Juiz de Fora, instalado nas salas 3 e 5 da Casa Helenira Preta (Antigo Anexo da Antiga Casa de Cultura da Faculdade de Serviço Social da UFJF), inaugurado pela PROEX e Direção da Faculdade de Serviço Social no dia 05 de agosto de 2019, emergiu como uma proposta de ação extensionista de dois projetos de extensão: o DIVERSE – Observatório da Diversidade Sexual e de Gênero: Políticas, Direitos e Saúde LGBTQI+ e o Polo de Referência LGBTQI+I+ (POR-LGBTQI+I+), integrados ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Sexualidade, Gênero, Diversidade e Saúde: Políticas e Direitos (GEDIS/CNPq) da Faculdade de Serviço Social da UFJF.

O CeR-LGBTQI+ vem ocupar um espaço público voltado para a população LGBTQI+ inexistente na cidade de Juiz de Fora, apesar da Lei Municipal de Juiz de Fora, Nº 9.791/2000 (vulga “lei rosa”), que até agora se limitou ao papel, com significativas lacunas assistenciais na rede de proteção social, direitos humanos e atenção e cuidado à saúde de LGBTQI+ na cidade.

O CeR-LGBTQI+ vem se constituindo através de parcerias com diversas pessoas, ativistas, coletivos, entidades e instituições públicas e privadas, além de estudantes de graduação e pós-graduação, todos inseridos com bolsas, ou na modalidade de voluntários, para desenvolver ações permanentes de defesa dos direitos humanos e na garantia de políticas públicas de promoção da cidadania de LGBTQI+, como no combate a LGBTQIfobia,  na perspectiva do respeito à diversidade sexual e de gênero, através da oferta de diversos projetos, atividades, serviços, apoios e atendimentos específicos para LGBTQI vítimas em decorrência de discriminação e violência com base na orientação sexual e identidade de gênero, bem como em parcerias para a formação de gestores e trabalhadores das diversas redes públicas de proteção social, políticas públicas e direitos humanos.

Portanto, são diversas as demandas atendidas pelo CeR-LGBTQI+, mas as principais estão no eixo do Atendimento Psicossocial e de Defesa dos Direitos Humanos de LGBTQI+, que são os muitos acolhimentos, orientações e encaminhamentos quanto aos direitos LGBT, frente as violações de direitos, violências diversas e assassinatos de LGBTQI+, de forma individual e em grupo. Isso é contemplado pela prestação de apoio jurídico, social e psicológico, com acolhimento de denúncias em casos de violações de direitos ou violência em virtude de orientação sexual e/ou identidade de gênero. Discussões de caso com serviços públicos e parceiros da rede de atendimento em saúde, da assistência social etc., bem como orientações e encaminhamentos para outros serviços em âmbitos municipal, estadual e federal e para a rede de garantia de direitos, com acompanhamento para realização de boletins de ocorrência e demais orientações sociais, psicológicas etc. Nesse eixo, pela sua particularidade no lidar com LGBTQI+, também operamos em rede, por meio de parcerias, com os Grupos “Força Trans” e “Mães pela Diversidade”. Em síntese, esse eixo propõe a instituir ações interdisciplinares e promotoras de acolhimento, apoio e cuidado à LGBTQI+, seja individual, seja pelo dispositivo de grupo, seja discutindo casos em espaços intersetoriais, mas sempre, a partir de seus serviços, acolher e orientar a população LGBTQI+ em situação de vulnerabilidade associadas à discriminação, violência e violação de direitos relacionada a orientação sexual e identidade de gênero.

Nesse quase 1 ano que iremos fazer, além desse eixo, que engloba nossas principais atividades, também temos outros eixos, tais como: Intersetorialidade e Promoção da Cidadania LGBTQI+, que teve como foco a capacitação em órgãos da assistência social, da educação e da saúde, bem como a parceria com o Centro de Referência de Direitos Humanos e a Secretaria de Saúde/PJF, para a garantia do espaço de hormonização. Sobre esse último, em particular, avançamos com o HU/UFJF na formalização no âmbito do SUS, para a implantação do Processo Transexualizador. Outro eixo é a Participação/Mobilização Social, que se centra na discussão política e, por fim, o eixo da Formação, Pesquisa, Informação e Comunicação, que são as atividades de rodas de conversas, curso de extensão,  cine-debate, oficinas temáticas, o Seminário da Zona da Mata e do Campo das Vertentes sobre LGBTQI+fobia e cidadania LGBTQI+, o Seminário da Zona da Mata e do Campo das Vertentes sobre a Política Nacional de Saúde LGBTQI e o SUS, e outros eventos acadêmicos e políticos.

5. Com base na experiência de atendimento à população LGBTQI+ juizforana que é recebida no Centro de Referência de Promoção da Cidadania LGBTQI+ (CeR-LGBTQI+) da UFJF, qual a situação dessa população no contexto da pandemia em Juiz de Fora?

Esse é um momento muito particular. Primeiro porque com a suspensão das atividades presenciais na UFJF, tivemos que redimensionar nossas ações extensionistas de forma remota, informando através dos nossos canais de comunicação nas redes sociais, como instagram, facebook e sites, nossos contatos. Isso foi e ainda é um desafio, porque não estamos em contato direto e presencial com a nossa população, e por isso, nossos limites de intervenção para determinadas demandas que nos são apresentadas, as vezes até os celulares privados da equipe é usado, com forma de atendimento, ou com a apresentação de determinados casos, no nosso grupo de whatsapp. E como já sinalizei, nas primeiras perguntas dessa entrevista, a situação de LGBTQI+ no contexto da pandemia é muito mais vulnerável, tanto no espaço familiar, em decorrência das violências domésticas, fenômeno que também tem afetado as mulheres, mas também temos observado o aumento de sofrimento psíquico, levando determinados sujeitos LGBTQI+ tanto a ingerir doses abusivas de medicamentos de forma prejudicial, associado ou não à ideação suicida e/ou autoextermínio. Por outro lado, nos empenhamos, desde o final de março, de forma parceira com o Grupo Força Trans e o CRDH, na Campanha TranSolidariedade, que inclusive tem um artigo publicado pela APES com todo o detalhamento e problematização teórica e política, intitulado, “ Vidas Precárias e LGBTQIfobia no contexto da pandemia: a necropolítica das sexualidades dissidentes” (https://www.apesjf.org.br/wp-content/uploads/LGBT_Convid_19_APES-1.pdf)

6. Como o movimento LGBTQI+ tem se organizado em torno das demandas mais imediatas das LGBTQI+ no contexto da pandemia?

Bem, como sinalizei, apesar de termos uma heterogeneidade no movimento LGBTQI+ e isso vai refletir nas ações e tendências desse para atender as demandas mais imediatas de LGBTQI+ no contexto da pandemia. Por outro lado, as precárias e frágeis políticas e direitos LGBTQI+ por parte do Estado brasileiro não garantem a cidadania plena de parte significativa dessa população. Haja visto, numa perspectiva intersetorial, tomar os marcadores sociais de diferença que expressam a questão racial, territorial, de classe social etc. que articuladas na existência de sujeitos LGBTQI+ agravam ainda mais as suas vulnerabilidades sociais, refletidas, coletivamente, em diversos setores da vida, como o desemprego, moradias precárias, exclusão da espaço escolar e dos serviços de saúde etc.  No cenário nacional temos observado e acompanhado várias iniciativas, a exemplo do que estamos realizando em Juiz de Fora de forma parceira, como a Campanha TranSolidariedade. A diferença, portanto, é que aqui, somos poucos, não temos financiamento, infraestrutura e organização para atender a todas as demandas, desde o atendimento presencial, que foi substituído na forma de teleatendimento, mesmo para o contato intersetorial, de acionamento da rede etc., tudo se dá através das nossas privadas linhas telefônicas de celular. Outra coisa bem alarmante e que é bem nítida, é a ausência, em Juiz de Fora, de um movimento social LGBTQI+ organizado na forma de sociedade civil e é nesse sentido que se dá a importância do CeR-LGBTQI+ na cidade, como um programa de extensão da UFJF, que aglutina, articula e agencia ativistas, militantes e parceiros/as de forma voluntária, como com estudantes de graduação e pós-graduação e docentes, pois sem essas sujeitas e esses sujeitos LGBTQI+ ou não, engajados/as nessa proposta, não haveria essas ações de garantia de direitos de cidadania, porque se fazemos entre muitas/os de nós, no tempo presente, é que acreditamos que essas possibilidades podem, de certa forma, elucidar essas existências real e concreta, tendo em vista que juntas/os somos contrários a todas as formas de LGBTQIfobia institucional e estrutural.