Demissões, adoecimento e precarização do trabalho: a realidade do ensino remoto na pandemia

Segundo levantamento do Sindicato dos Professores de São Paulo, 1.674 profissionais foram demitidos desde o início de abril desse ano, com a pandemia do coronavírus. Segundo matéria publicada no G1, a estimativa é a de que o número seja ainda maior, já que as rescisões homologadas no sindicato são apenas de professores com pelo menos um ano de casa. Segundo a apuração da matéria, além das demissões, docentes enfrentam a superlotação de salas virtuais e substituição de professores por “tutores”, com corte salarial e redução de carga horária. 

A desculpa é a redução da arrecadação com mensalidades e matrículas e aumento da inadimplência. Entretanto, como pano de fundo, houve a suspensão, pelo MEC, do pagamento do FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) em maio desse ano. E antes da pandemia, em dezembro de 2019, o MEC autorizou a ampliação das disciplinas EAD no ensino superior, de 20% para 40% da carga horária. Com a pandemia, as faculdades implementaram o ensino remoto em 100% da carga horária, demitiram professores e, os que permanecem empregados, enfrentam salas virtuais superlotadas. 

PRECARIZAÇÃO E ADOECIMENTO

A precarização do trabalho docente, que já era uma realidade antes da pandemia, se agravou com a paralisação das atividades presenciais no setor da educação e com a pressão mercadológica para sua continuidade a todo custo. 

As escolas e faculdades particulares implementaram, de imediato, o ensino remoto sem ao menos garantir a capacitação e a infra-estrutura necessária aos seus professoras e professoras contratados. Segundo o Sinpro de São Paulo, professores de faculdades particulares enfrentam salas virtuais que reúnem até 180 estudantes de diversos campi, para reduzir custos com a folha de pagamento, sem reduzir os lucros das instituições. O sindicato também relata que, na ausência de qualquer proteção quanto ao uso de imagem e direitos autorais, materiais didáticos elaborados por professores e professoras demitidos pelas instituições continuam a serem usados pelas faculdades.

Em escolas públicas de redes municipais e estaduais, que também sofreram pressão para a retomada de suas atividades por parte dos governos, a situação também é de precarização do trabalho e queda na qualidade do ensino. Nestas, docentes têm relatado um cotidiano de adoecimento e stress, relacionados às dificuldades de adaptação ao ambiente virtual e de conciliação do cotidiano doméstico com o trabalho remoto, em um momento de excepcionalidade como o que estamos vivendo. Docentes tem relatado sobrecarga de trabalho, dificuldade em assimilar novas habilidades em pouco tempo e em condições inadequadas, além de medo e ansiedade. 

Uma pesquisa realizada pelo portal Nova Escola, que ouviu 8,1 mil educadores de todos os estados brasileiros das redes pública e privada, revela que 28% dos entrevistados avaliam a própria saúde mental como ruim ou péssima nesse momento. Entre os profissionais mineiros, o percentual é de 32%. A experiência de trabalho remoto foi classificada como ruim ou péssima por 72% dos participantes do estado. A pesquisa foi divulgada em julho. 

 Em artigo sobre adoecimento docente  publicado na “Revista Physys: saúde coletiva”, pesquisadores brasileiros apontam que “muitas vezes, por não conseguir atingir os objetivos propostos pela instituição, e devido às diversas pressões relacionadas ao manuseio das tecnologias, gravações de aulas, os docentes acabam adoecendo.” Os autores revelam também que “pesquisas internacionais já revelam o adoecimento docente expresso pelas incertezas, estresses, ansiedade e depressão, levando à síndrome do esgotamento profissional. Estudo chinês revela inúmeros docentes adoecidos mentalmente pela Covid-19, devido a transtorno depressivo leve, transtorno afetivo bipolar, ansiedade generalizada, transtorno de adaptação e síndrome de burnout ou síndrome do esgotamento profissional.”

DESIGUALDADES

Em uma sociedade desigual, em um contexto de emergência e excepcionalidade, estudantes e suas famílias são colocados em uma situação escolar ainda mais precária e tensa. Relatórios indicam que a saúde mental de estudantes encontra-se comprometida de diversas formas, e as novas modalidades de ensino revelam queda do rendimento na aprendizagem e na motivação.

A pesquisa “Educação não presencial” divulgada em junho pelo instituto de pesquisa Datafolha revela alguns dados sobre a situação das famílias brasileiras no contexto escolar atual. A pesquisa foi realizadas com responsáveis por estudantes da rede pública, dos ensinos fundamental e médio, e feita em duas etapas, em todos os estados brasileiros. A pesquisa mostra um aumento na falta de motivação dos estudantes (que passa de 46% na primeira onda da pesquisa para 53% na segunda onda. Mostra também, na terceira onda, que 77% dos estudantes se sentem tristes, ansiosos, irritados ou sobrecarregados na pandemia. Segundo o estudo, quanto maior o número de estudantes na casa, mais alto o índice de irritação, tristeza e medo do retorno das aulas presenciais. Os responsáveis com 3 ou mais estudantes na residência são menos escolarizados, têm menor renda, moram na regiões com menor acesso às atividades.Quanto mais estudantes na casa, menor o índice dos que receberam atividades. Há também diferenças regionais significativas no acesso aos equipamentos e a internet. Os dados da segunda onda revelaram que atividades por meio do celular na região Sul chegam a 79%, maior índice entre as regiões; na região Sudeste atividades pela TV totalizam 26%.  A Região Norte tem os menores índices, abaixo da média nacional em todos os tipos de atividades. Além disso, a pesquisa mostra que quanto menor a renda e a escolaridade dos responsáveis, maiores os índices de equipamentos insuficientes. E 35% dos estudantes que recebem algum tipo de atividade em casa se enquadra no grupo ‘em risco’ de desistir da escola; em maio, esse índice era de 26%.

Como avalia Augusto Cerqueira, diretor da APES, “a grave crise econômica aprofundada pela pandemia da Covid-19 tem trazido consequências gravíssimas para a classe trabalhadora. Não bastasse as milhares de mortes no Brasil, houve grande aumento do desemprego, perda de direitos e grande piora nas condições de trabalho. Enquanto a classe trabalhadora sofre, os mais ricos aumentaram fortunas no período. Na área da educação, a situação é trágica e os efeitos da massificação do ensino remoto no período já vem mostrando os resultados: demissões, precarização, adoecimento, perda da qualidade e exclusão. A denúncia desse processo é especialmente importante quando vemos a rede pública aderindo ao ensino remoto em todo o Brasil. A educação no Brasil está sendo destruída e o Ensino Remoto é parte fundamental desse processo.”