Evento “Café com Dados” expôs distorções e apontou prejuízos que a dívida pública apresenta aos investimentos em educação e ao desenvolvimento do país

Marcando, na base da APES, o Dia Nacional de Mobilização do Setor da Educação, na busca pela abertura de negociação salarial, o evento Café com Dados, promovido pela APES, trouxe o economista Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida, para uma conversa na sede do sindicato, na terça-feira, 08 de novembro. Em pauta, números do orçamento federal, o impacto da dívida pública nos setores sociais, taxas de juros, teto de gastos e arcabouço fiscal.

O evento contou com a introdução, feita pelo professor Leonardo Andrada, da direção da APES, que assinalou as perdas salariais docentes, acumuladas nos últimos 11 anos, na casa dos  49,79%,  além de distorções na carreira que foram implementadas neste período. Mostrou que o modo como o orçamento é feito reflete, na verdade, uma opção política. “Toda tentativa de apresentar este tema de forma técnica e objetiva é uma peça de propaganda”. 

O orçamento é construção política

Leonardo fez um histórico, indicando que o modo de elaboração do orçamento federal está na origem do pensamento liberal, que prega não ser função da classe trabalhadora participar do governo, que deve ser exercido pela classe proprietária, nas palavras de John Locke, pai das ideias liberais no final do século XVII. É a partir desse núcleo de pensamento que se propaga a ideia de que a distribuição do orçamento atual se diz “técnico e objetivo”, em regimes que se dizem democráticos, mas que no fundo é exclusivista e excludente na prática.

Este pensamento excludente chega aos dias de hoje e, dentro deste contexto, a ideia de inevitabilidade de políticas como o teto de gastos tornam-se “consenso”, excluindo do debate a participação da sociedade civil, propagando as “verdades inquestionáveis”, que visam manter o caráter político do orçamento federal.

Metade das receitas, quase R$2 trilhões para pagar a dívida

Em seguida, Rodrigo Ávila deu início a sua fala, expondo o arrocho nas contas públicas, representado pelo tamanho da dívida pública brasileira (veja quadro abaixo), em que 46,30% do Orçamento Federal Pago em 2022, cerca de R$ 1.8 trilhão, referem-se a juros e amortizações, em contraposição a minúsculas porcentagens aplicadas em políticas sociais, educação, saúde etc. Dados que refletem a luta política e desigual do orçamento, que muitas vezes estão escondidos em documentos de difícil compreensão e acesso.

E essa discrepância se dá muitas das vezes devido ao fato de que a dívida pública não entra no Teto de Gastos, enquanto o índice aplicado na educação sofre com essa limitação. O crescimento dos investimentos na área, que seria respaldado pelo artigo 212 da constituição federal  – “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino” – é represado pela  Emenda Constitucional (EC) nº 95 que quebrou este já frágil piso na esfera federal.

Estagnação do investimento social e dos salários docentes

O teto estabelece que, por 20 anos, o piso de investimentos na área social deve ser reajustado apenas de acordo com a inflação, ou seja, todo o crescimento real da arrecadação de impostos federais (que cresce conforme a evolução da economia) não está sendo revertido em crescimento do investimento em educação, congelando os recursos por duas décadas em termos reais. Tudo isso apesar do crescimento populacional do período e das necessidades urgentes de melhorias nesta área. Tal condição se reflete diretamente na estagnação salarial de professoras e professores, enquanto a dívida segue livre, consumindo atualmente metade do orçamento da união.

A argumentação dos defensores do teto de gastos é de que a inflação seria apenas um piso (e não um teto) para a Educação, no entanto, na prática, qualquer aumento real dos recursos para a educação federal obrigaria que as demais áreas sociais tivessem perdas, para que fiquem dentro do limite do teto..

A consequência desse desequilíbrio (veja quadro abaixo) é que os gastos governamentais com pessoal e encargos sociais tiveram um decréscimo, quando se observa a evolução do orçamento de 2000 a 2022, refletindo o congelamento de salários e benefícios dos Servidores Públicos Federais.

No quadro abaixo, mais uma consequência do teto de gastos, que afeta na verdade apenas o investimento social. Os valores destinados ao Ministério da Educação vêm decrescendo enquanto a necessidade de expansão da educação se faz mais urgente.

Quando se observa o efeito do teto de gastos sobre o ensino superior, a situação se torna ainda mais alarmante, com uma queda acentuada desde 2015. A previsão feita para  2023 estava em R$2,559 Trilhões para juros e amortizações da dívida pública, enquanto o Ministério da Educação deveria receber 16 vezes menos, ou seja,  R$159 BILHÕES.

Novo teto de gastos

O economista destacou ainda a criação do Arcabouço Fiscal pela emenda constitucional 126/2022, chamada PEC da Transição, que previu o fim do “Teto de Gastos” quando fosse sancionado Projeto de Lei Complementar (encaminhado pelo Presidente da República ao Congresso até 31/8/2023), que previa “regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”, conhecido por todos como o novo “Teto de Gastos”.

Este novo direcionamento apresentou uma banda de crescimento maior dos gastos primários: entre 0,6% e 2,5%, o que, apesar de representar um avanço, ainda se mostra insuficiente diante das demandas ou o crescimento da população. E esse crescimento depende ainda de um aumento da receita, enquanto os gastos com juros da dívida ainda continuam livres de contenção.

Segundo Ávila, a Lei Complementar 200/2023, que criou o Arcabouço, parte do pressuposto equivocado de que a dívida tem crescido no Brasil devido aos gastos sociais, e não devido aos juros e outros mecanismos financeiros. Isto quer dizer que o gasto social seguirá, como antes, crescendo menos que a receita. Também que, enquanto o governo faz dívidas para pagar a dívida, o arcabouço proíbe que o governo faça dívidas para investimentos sociais.

 Nova modificação no piso?

Neste contexto, de novo arcabouço, Ávila citou a agência Brasil que noticiou a intenção do governo de enviar uma PEC, visando modificar o piso constitucional de recursos para a educação. A matéria, de 30 março de 2023, diz que “segundo a equipe econômica, esses pisos criam problemas porque os gastos totais do governo estão submetidos a uma regra geral, que era o teto de gastos e será substituída pelo novo arcabouço fiscal. Dessa forma, caso os gastos com uma das duas áreas (educação e saúde) cresçam mais que a média das despesas, sobra uma fatia menor para outros tipos de gastos.”

Sem meta de superávit alcançada, sem reajuste salarial

No momento em que a proposta de Arcabouço Fiscal chegou ao Congresso Nacional, o relator ainda incluiu uma série de dispositivos que prejudicam os Servidores, caso a meta de superávit primário não for cumprida em determinado ano.

Assim ficariam proibidos reajustes salariais ou qualquer ação que implique em aumento de despesa; como alteração de estrutura de carreira, a criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração, realização de concursos etc.

A dívida já foi paga

Ávila argumenta que a Dívida Pública Brasileira já foi paga inúmeras vezes, mas que não cessa seu crescimento, devido à uma das maiores taxas de juros do mundo.

Enquanto   consome a maior parte do orçamento federal (cerca de metade, todos os anos) e parte significativa dos orçamentos estaduais e municipais, a dívida está ainda por trás de todas as contrarreformas, como as da Previdência; tem sido a justificativa para todas as privatizações insanas que acontecem desde o governo Collor, e produziu o “Teto de Gastos” sociais, cortes, contingenciamentos de recursos orçamentários, e medidas de “ajuste fiscal” (superávit primário, âncora fiscal), que reduzem investimentos sociais para que sobre mais para pagar os juros da dívida.

A dívida, que deveria ser um instrumento para financiar investimentos de interesse da sociedade e do país, viabilizando o nosso desenvolvimento socioeconômico, segue sugando recursos públicos, que são direcionados a bancos e grandes corporações.

Brasil produziu um R$ 1 trilhão de superávit

Ávila criticou a falácia de que existe uma gastança dos Servidores Públicos, muito ao contrário, ao informar que entre 1995 e 2015 o país produziu R$1 Trilhão de Superávit Primário. Apesar disso, a dívida interna federal aumentou de R$86 bilhões para quase R$4 trilhões no mesmo período. Veja quadro:

A culpa não é dos gastos sociais e sim da política monetária

Ele aponta que é evidente que os investimentos e gastos sociais não foram os responsáveis pelo aumento da dívida interna, pois o país produziu Superávit Primário imenso, mas sim os mecanismos de política monetária do Banco Central, responsáveis por déficit nominal brutal e pela fabricação da “Crise Fabricada”.

No Brasil, a dívida tem subtraído recursos das áreas sociais, além de consumir praticamente todos os recursos advindos da emissão de novos títulos, e  ainda absorve recursos provenientes de outras fontes, que poderiam ser destinados a investimentos em áreas sociais.  

Taxa de juros não combate inflação

Enquanto as taxas de juros da Zona do Euro estão em – 0,67%, Japão: -3,20% e EUA: 1,74%, no Brasil a taxa real chega a 7,78% ao ano. Segundo Ávila, existe uma mentira propagada em todo lugar, dizendo que a taxa de juros combate a inflação no país. Na verdade, a inflação brasileira está centrada no mercado internacional, no preço dos alimentos, que sobem devido à priorização do agronegócio de exportação, e no Preço de Paridade de Importação (PPI) praticado pela Petrobras. Veja quadro abaixo:

Quem se beneficia com a dívida?

Outro argumento dos defensores do pagamento da dívida é que a suspensão do pagamento recairia sobre a população brasileira que sofreria com a medida. Segundo Ávila, quem se beneficia do contínuo pagamento de uma dívida já quitada são investidores e bancos estrangeiros, fundos de investimento, que o governo não informa quem são, devido ao sigilo bancário. Veja quadro abaixo:

Ávila finalizou sua fala abrindo para perguntas dos presentes e convidando a todos a implementar a luta junto com os movimentos sociais para o debate sobre as distorções criadas pela Dívida Pública Brasileira. Clique aqui para ver o evento completo no You Tube