Em portaria divulgada na última quarta-feira, dia 18 de março, em meio ao caos provocado pela pandemia do COVID-19, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) anunciou, sem nenhuma discussão prévia com entidades representativas, fóruns ou a comunidade acadêmica em geral, a mudança no modelo de concessão de bolsas à pós graduação. Na prática, o modelo prenuncia o corte de aproximadamente 35% de bolsas em programas de pós-graduação em todo o país.
A mudança ocorre em relação a um modelo anunciado ainda em fevereiro, que deixou pós-graduandos e pós-graduandas de todo o país na expectativa de recebimento das bolsas para a continuidade de suas atividades acadêmicas.
A portaria amplia a possibilidade de cortes de bolsas condicionado a nota do programa. Se antes, programas com notas entre 3 e 7 poderiam perder no máximo 10% de suas bolsas, agora o corte pode chegar a 50% em programas de nota 3 e 20% em programas de nota 7.
Em nota divulgada no dia 18 de março, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP) comenta a arbitrariedade da decisão da CAPES. “A revogação unilateral daquelas portarias sem que o FOPROP tenha sido sequer notificado sobre a intenção da presidência da CAPES de adotar qualquer medida nesse sentido, representa uma grave quebra de confiança entre a CAPES e toda a comunidade acadêmica da pós-graduação no país.” Afirma o Fórum.
A medida amplia também desigualdades regionais dentro da pesquisa brasileira, visto que programas de pós-graduação que possuem um caráter mais regional correm risco maior de perderem suas bolsas e até mesmo de encerrarem suas atividades. Em suas redes sociais, a Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) diz que “isso levará a dificuldades e até ao encerramento de muitos PPG que cumprem relevante papel de desenvolvimento regional, qualificação e fixação de profissionais pelo país.”
O ANDES se posiciona pela imediata revogação da portaria 34, bem como a revogação da Emenda Constitucional 95, que limita a destinação de recursos da União para áreas como Saúde, Educação e Ciência por 20 anos.
Repercussão Local
Representantes do DCE, APG e de 7 cursos de pós-graduação da UFJF enviaram na segunda-feira uma carta à reitoria e prós-reitorias de pesquisa e de assistência estudantil. Na carta, estudantes expõe a situação crítica de ingressantes nos programas de Mestrado e Doutorado, que já haviam sido cadastrados nos programas e, alguns, deixado empregos e cidades de origem. O documento sugere medidas de emergência para amenizar os impactos dos atingidos, como redirecionamento de recursos internos, remanejamento de bolsas com editais abertos, gratuidade no RU para estudantes afetados e concessão de vale-transporte.
Margarida Salomão, deputada federal (PT-MG), ex-reitoria da UFJF e coordenadora na Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Federais, se reuniu com Pró-Reitores e Coordenadores e com a CAPES e afirma que acionará decreto pela revogação da portaria.
A UFJF, em particular, foi duramente atingida por essa nova portaria, tendo perdido 209 bolsas, sendo 123 de mestrado e 86 de doutorado. Os programas mais afetados foram os de Ecologia, que perdeu 24 bolsas, de Química (22), de Física (19), de Ciências Biológicas (17), Matemática (17) e de Ciências Sociais (16). As perdas implicam em turmas inteiras de pós graduandos sem qualquer financiamento para suas pesquisas.
Presidente da CAPES publica “nota de esclarecimento”
Com a repercussão extremamente negativa na comunidade acadêmica, nas entidades representativas, fóruns e associações científicas, o atual presidente da CAPES, Benedito Aguiar Neto, publicou uma nota de esclarecimento no dia 23 de março. Na nota, é dito que “não foi feito corte algum”, já que em fevereiro havia ao todo 81.400 bolsas no País e agora em Março este número passou para 84.786. Entretanto, a comparação não é válida, já que no mês março ocorre o maior número de novas matrículas nos programas de pós-graduação, o que resultaria necessariamente em um número de bolsas atribuídas maior do que o em fevereiro. A comparação, para ser efetiva, deveria ser realizada entre as bolsas atribuídas pela CAPES no mesmo mês corrente em anos diferentes.
Acessando dados divulgados pela própria CAPES em seu sítio, é possível encontrar a evolução do seu orçamento de 2004 a 2020. Os dados mostram que os recursos para bolsas de estudo em 2020 sofreram uma queda de 30% em relação a 2019. Em relação a 2015, a queda em 2020 foi de 64%. Para se ter uma ideia, os recursos em 2020 para bolsas de estudo da CAPES chega a ser inferior aos de 2012. Portanto, fica claro que a CAPES tem implementado cortes em bolsas de estudo desde 2016, que chegamos a 2020 com um orçamento menor do que o ano de 2012 e que, na comparação com 2019, o corte chega a 30%.
“Não nos deixemos enganar pelo discurso da “meritocracia”, conforme demonstra a nota no mínimo inconsistente do Presidente da CAPES, quando na realidade o Governo vem realizando profundos cortes de investimento público nas áreas da Educação, Ciência e Tecnologia. Quanto à CAPES, esses cortes vêm se traduzindo anualmente em redução de bolsas de estudo que afetam diretamente os estudantes, inviabilizam cursos de mestrado e doutorado e fragilizam a pesquisa no país.” disse Augusto Cerqueira da diretoria da APES.