Na tentativa de rebater os pontos levantados pelo plebiscito nacional – promovido pelo ANDES-SN, Fasubra, Frente Nacional Contra a Privatização do SUS, entre outras entidades – que mostram que a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) é uma ameaça à educação e à saúde pública, e uma forma de privatização da saúde, a empresa emitiu uma nota nesta segunda-feira (8), por meio da Assessoria de Comunicação.
Antes mesmo da divulgação da nota, a edição de março do InformANDES publicou uma entrevista com a professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cláudia March, com explicações sobre a atuação da empresa, por meio de análise da lei nº 12.555/2011, e as ameaças que a empresa representa aos setores da saúde e educação. Na ocasião, Cláudia reforçou: “temos que barrar a Ebserh”.
Para o 2º tesoureiro do ANDES-SN e coordenador do Grupo de Trabalho Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria do Sindicato Nacional (GTSSA), Almir Menezes Filho, o plebiscito abre o debate para que estudantes, docentes, técnicos administrativos, usuários do SUS e população possam entender o que significa a Ebserh. “O plebiscito realizado pelo ANDES-SN, Fasubra e outras entidades está incomodando bastante os responsáveis pela Ebserh porque está levando a discussão para a comunidade. O que as entidades questionam é a falta de clareza e esclarecimento. A maioria dos conselhos nas universidades não tem debatido a questão e o plebiscito está provocando esta discussão”, afirma.
Para o diretor do ANDES-SN, o plebiscito explica à população o que representa a Empresa: “a Ebserh é uma forma de privatização e traz prejuízos para o SUS e seus usuários. Na primeira semana de votação, mais de 4 mil votos foram contabilizados na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e isso deve estar acontecendo também nas outras universidades. Pela importância do plebiscito, estamos avaliando a possiblidade de prorroga-lo até dia 19 deste mês”, diz.
O posicionamento apresentado pela direção da Ebserh não se sustenta frente a tantas constatações e argumentos amadurecidos no debate dos movimentos sociais e articulados por Cláudia March ao ANDES-SN em entrevista ao jornal do Sindicato. Veja a seguir:
Serviço público
Enquanto a Ebserh afirma ser “uma empresa pública, diretamente vinculada ao Ministério da Educação (MEC), constituída por recursos 100% públicos e submetida ao controle dos órgãos públicos” e diz que “não é possível falar em terceirização ou privatização dos serviços de saúde prestados pelos hospitais federais vinculados às instituições federais de ensino superior”, a professora Claudia aponta que a criação da empresa fere o estabelecido na Constituição, e que o “flagrante desrespeito aos preceitos institucionais começa ao atribuir a uma empresa de direito privado, cujo objetivo é de exploração direta de atividade econômica, incluindo a produção de lucro, a gestão de hospitais universitários cujas atividades – prestação de serviços públicos de saúde e educação – caracterizam-se como serviços públicos de relevância pública, que não podem ser transformados em atividades econômicas”.
A professora acrescenta que a relação entre as universidades federais, os hospitais universitários e a Ebserh se dará mediante estabelecimento de contrato entre as partes. “Cabe ressaltar que, para além das finalidades e competências definidas no Contrato de Gestão entre a Ebserh e a universidade, que explicitam apenas a prestação de serviços aos usuários do SUS como gratuitas, há a possibilidade de desenvolvimento de um conjunto de atividades passíveis de obtenção de lucro, tal como atividades de ensino, pesquisa, extensão e produção tecnológica, devido à lógica do seu modelo jurídico institucional de direito privado”.
De acordo com Claudia, é possível afirmar que a Ebserh é uma forma de privatização dos hospitais universitários: “temos denominado de privatização não clássica, dado que não se trata da venda das instituições públicas de saúde e educação, tal como realizado com as empresas estatais e o setor bancário nos governos FHC”. Segundo a professora, com a Ebserh, são estabelecidos modelos jurídicos-institucionais e relações público-privadas, “que permitem a criação de condições legais para o livre fornecimento privado e para o direcionamento das instituições públicas para a esfera privada, a partir de parcerias, contratos e convênios com o setor empresarial, que resultam em mercantilização das funções e atividades públicas e financeirização do fundo público, conforme destacado por vários pesquisadores da área de educação pública”, diz.
Sistema Único de Saúde (SUS)
Na nota, a Ebserh afirma: “a Lei de criação da Ebserh (Lei nº 12.550/2011) determina que os serviços prestados pelos hospitais universitários que firmarem contrato com a Ebserh permanecerão integral e exclusivamente no âmbito do SUS. Portanto, o atendimento à saúde da população continuará a ser feito 100% pelo SUS”. A professora Claudia diz que os prejuízos aos usuários do SUS podem ser resumidos em dois conjuntos de questões: “um primeiro resulta do ressarcimento dos atendimentos prestados aos usuários do SUS que tenham planos privados de saúde. O ressarcimento, previsto pela Lei nº 9656 de 3 de junho de 1998, que era feito diretamente ao Fundo Público de Saúde, agora será feito à Ebserh, a partir da identificação dos usuários na porta de entrada dos hospitais universitários, quando utilizarem seus serviços.
Segundo a professora, como a Ebserh é uma empresa estatal de direito privado com obtenção de lucro, conforme artigo 8 da Lei nº 12.550/2011, “há a possibilidade concreta de priorização do atendimento aos usuários do SUS que tenham planos privados, pois este resultará na dupla obtenção de recursos, através do repasse do SUS, referente aos atendimentos e aos repasses dos planos privados”. Para Claudia, não haverá uma “dupla porta” explícita, “mas uma diferenciação em benefício dos usuários do SUS que tenham planos de saúde em detrimento dos usuários SUS, gerando um duplo estatuto de usuários e prejuízos aos usuários SUS que não têm plano de saúde”, esclarece.
Para a professora, o segundo prejuízo resultará da mercantilização das atividades de ensino, pesquisa e extensão. “A possibilidade de obtenção de lucro a partir das atividades da Ebserh com a ‘venda’ de serviços de ensino, pesquisa e extensão aprofundará e consolidará o que já ocorre de forma ilegal com as Fundações Privadas ditas de Apoio e a priorização de temas de pesquisa e cursos que atendam ao ‘mercado’ e não às necessidades sociais de saúde dos usuários do SUS. O atendimento dos interesses das indústrias farmacêuticas e de equipamentos de diagnóstico e de terapêutica, que se referenciam na obtenção de lucro, em detrimento do desenvolvimento de projetos de pesquisa de extensão referenciados nas necessidades dos usuários do SUS”, explica.
Recomposição e regularização da força de trabalho
A Empresa afirma que “por meio de concursos públicos, a Ebserh irá contratar profissionais para os hospitais universitários federais. Com a recomposição da força de trabalho será possível a reativação de leitos e serviços que hoje se encontram desativados em decorrência da falta de recursos humanos. Os profissionais contratados pela empresa serão vinculados ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e farão jus aos salários e benefícios dos planos de Cargos, Carreiras e Salários e de Benefícios da Empresa. Atualmente, os hospitais universitários federais possuem contratos considerados irregulares pelos órgãos de controle e que não asseguram aos trabalhadores qualquer direito trabalhista. Ao contrário do que afirmam as entidades, a contr atação de trabalhos por meio da Ebserh irá regularizar a situação da força de trabalho nos hospitais”.
Para Claudia March, o prejuízo aos servidores que trabalham nos HU é claro e imediato. “Trata-se de extinção progressiva de um contingente de cargos públicos federais do Regime Jurídico Único sem precedentes no serviço público federal. A centralidade da flexibilização dos direitos dos trabalhadores do serviço público confirma-se com a publicação do Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) e a divulgação de seleção pública para a Ebserh, ou seja, a questão central para a não realização de concursos públicos para o Regime Jurídico Único não era orçamentária. Retoma-se a contratação pela CLT, para as ‘áreas não exclusivas do Estado’, dando continuidade às proposições de FHC e Bresser Pereira. A cessão dos trabalhadores lotados nos HU para a Empresa redundará em imediato prejuízo”.
Como exemplo, a professora cita o contrato celebrado entre a Ebserh e a UnB, que prevê a cessão de trabalhadores lotados no HU. “O contrato cita ‘os deveres, proibições e regime disciplinar’ descritos na Lei do RJU, sem citar seus direitos, e o parágrafo segundo da Cláusula Quinta, que prevê que à Ebserh compete a gestão administrativa dos servidores cedidos no que se refere, entre outras atribuições, à ‘concessão de diárias, passagens e indenização de transporte; redistribuição interna de competências e alocação de pessoal; controle de frequência, de produtividade e de horas extraordinárias de trabalho; programação de escala de trabalho, de recessos, e de plantões; e autorização e programação de férias, licen as e afastamentos, quando for o caso’”. Claudia ainda acrescenta: “o debate é: qual a relação entre estas atribuições e os direitos dos trabalhadores, que incluem os previstos para o seu PCCS, sem citar a cisão que haverá entre negociação do conjunto dos trabalhadores técnico-administrativos das Universidades e os cedidos à Ebserh”.
Autonomia Universitária
De acordo com a nota, a Ebserh afirma que “a autonomia das universidades federais sob a gestão dos hospitais universitários está preservada e garantida pela própria Lei de criação da Empresa (Lei nº 12.550/2011), além de ser um preceito constitucional. Ou seja, as decisões sobre as questões relativas às atividades de ensino, pesquisa e extensão realizadas nos hospitais universitários continuarão a ser conduzidas por cada universidade à qual o hospital é vinculado. Sendo uma empresa pública vinculada ao MEC, A Ebserh reconhece e trabalha pelo fortalecimento do papel estratégico dos hospitais na formação dos profissionais de saúde do país”.
No entanto, a professora Claudia March esclarece: “ainda que a Lei mencione a autonomia universitária, é flagrante o ataque ao princípio constitucional, desde a não previsão ou obrigação de aprovação pelos Conselhos Superiores das IFES do contrato de adesão à Ebserh até o impacto mais direto sobre as atividades de ensino, pesquisa e extensão”.
Segundo Claudia, a apreciação do Regimento Interno da Empresa confirma as análises iniciais sobre o ataque à autonomia universitária. “Todos os cargos são de livre nomeação, sendo que somente o superintendente será selecionado entre os docentes do quadro permanente da Universidade contratante. As demais gerências serão selecionadas por um comitê composto pela Ebserh e pelo superintendente, sem menção à necessidade de vinculação à Instituição Federal de Ensino à qual o hospital é vinculado”, explica.
Entre as competências do Colegiado Executivo das unidades hospitalares, Claudia destaca a de propor, implementar e avaliar o planejamento de atividades de assistência, ensino e pesquisa a serem desenvolvidas no âmbito do hospital, em consonância com as diretrizes estabelecidas pela Ebserh, as orientações da universidade à qual o hospital estiver vinculado e ás políticas de saúde e educação do país. “Está explícito no texto que as atividades de ensino, pesquisa e assistência desenvolvidas nos HU serão definidas pelo MEC e pela Ebserh, considerando todos os convênios e contratos que a Empresa está autorizada a estabelecer com os setores público e privado. Tal definição está fora das instâncias deliberativas da Universidade colegiados superiores, de unidade, de curso e departamentais – e desconsidera os projetos institucionais e político-pedagógicos das Universidades”, acrescenta.
Atuação e adesão à Ebserh
Apesar de não haver obrigatoriedade de as universidades aderirem à Ebserh, Claudia explica: “a pressão e a chantagem exercidas junto às administrações das universidades e dos HU e a extinção da diretoria de Hospitais Universitários do MEC, com a transferência de todas suas atribuições para a Ebserh antes mesmo da adesão das Universidades, evidencia o quão optativa é a adesão”.
Segundo a professora, a Lei nº 12.550 prevê o estabelecimento de contratos também com as instituições congêneres – instituições públicas que desenvolvem atividades de ensino e de pesquisa na área da saúde, e que prestem serviços no âmbito do SUS -, e também a possibilidade de os estados autorizarem a criação de empresas públicas de serviços hospitalares. “É necessário nos conscientizarmos da abrangência da contrarreforma administrativa na saúde e educação, operada a partir da Ebserh e suas subsidiárias, e das empresas similares e de seus impactos da reconfiguração do Estado brasileiro e nos direitos à educação e saúde públicas”, conclui.
*Ilustração cedida pela Adufrj SSind.
Fonte: ANDES-SN