O debate sobre o Código Florestal vai além, muito além, da fita métrica
que os ruralistas estão usando para acabar com a reserva legal nas
propriedades rurais e encolher as faixas de proteção de nossos rios e
encostas. Por detrás de toda a discussão, existe uma agenda do setor,
liderado pelo grande agronegócio e os representantes de seus interesses no
Congresso, para eliminar os limites sociais e ambientais fixados para o
uso da terra. Depois do Código, estão na alça de mira os benefícios da
agricultura familiar, a liberação do uso de agrotóxicos e a flexibilização
do Código de Defesa do Consumidor.
Durante a Constituinte em 1988, os ruralistas impediram que o texto
constitucional impulsionasse a democratização da propriedade, impondo um
conceito de produtividade escorado em índices da década de 60 e jamais
atualizados. Desde então o governo se limitou a realizar a reforma agrária
em terras públicas na Amazônia, consolidando o que se fazia desde a
ditadura militar e ajudando a ampliar o desmatamento na região. A Amazônia
virou o quarto de despejo dos conflitos agrários, ajudando a manter
inalterado o quadro de concentração fundiária no país.
O presidente Lula, que prometeu atualizar os índices de produtividade dos
imóveis rurais, fundamental para melhorar sua eficiência e diminuir a
pressão para a contínua expansão da fronteira agrícola em direção ao
Cerrado e à Amazônia, não cumpriu a sua promessa. Terminou seu mandato
assistindo ao Censo Agropecuário anunciar que usamos 1 hectare para criar
0,5 cabeça de gado, enquanto em outros países tal marca alcança índices
até cinco vezes maiores.
A emergência da questão ambiental fez com que, no Brasil, as leis de
proteção da natureza ganhassem, a partir dos anos 90, mecanismos eficazes
de aplicação, como a vinculação do financiamento da produção à adoção das
boas práticas agrícolas prescritas pelo Código Florestal. É possível
produzir mais e melhor em todo o país, zerando o desmatamento. Além de
potência agrícola, o Brasil pode ser uma potência ambiental.
Produzir mais e melhor demolirá o discurso de que vai faltar terra para
produção de alimento, revelando que o que as grandes empresas do
agronegócio não querem é adotar padrões de produção e comportamento de
mercado a que já estão obrigadas na Europa e nos Estados Unidos – o que as
levou, inclusive, a transferir suas atividades para cá.
O que está em disputa é a forma de ocupação da última grande fronteira de
terras do mundo. É o capítulo que ainda precisa ser escrito para encerrar
o livro da história da formação do nosso território. É esse o texto que
nos dirá como será nosso futuro. Se o que acontece com o Código Florestal
serve de indicação, ele não deverá ser muito brilhante. Continuaremos a
expandir nossa agropecuária não pelo investimento em tecnologia, mas
pagando o alto preço do desmatamento – devastação ambiental, violência e
concentração fundiária.
(*) Sérgio Leitão é diretor do Greenpeace no Brasil.